O mais exaltado crítico da divulgação de abusos com as cotas de passagens aéreas da Câmara é um deputado ausente. Ciro Gomes (PSB-CE) faltou a quatro de cada dez sessões ordinárias e extraordinárias realizadas desde o início do mandato, em 2007. No ano passado, ficou entre os cinco campeões de faltas, com ausências em mais da metade das sessões.
A Constituição prevê a cassação de parlamentares da Câmara e do Senado que faltarem a pelo menos um terço das sessões ordinárias de cada ano legislativo, salvo por licença ou missão oficial. Mas a Mesa Diretora da Câmara pode abonar faltas fora desses contextos se, por arbítrio próprio, aceitar outra justificativa do parlamentar, evitando sua inserção na punição constitucional e garantindo a integridade do salário.
Esse artifício da justificativa pessoal praticamente impede descontos das faltas no contracheque. Assim como a maioria das prestações de contas da Casa, as justificativas são inacessíveis a quem se interessar em saber as razões das ausências.
A grande maioria das faltas de Ciro foi justificada. Não houve punição e desconto dos 81 dias (nos quais houve 144 sessões ordinárias e extraordinárias) em que, desde 2007, esteve ausente e justificou as faltas à Mesa. Ausências em outros 27 dias (31 sessões) foram punidas com desconto salarial.
Em sua defesa, Ciro explica apenas parte das ausências em 2008, quando teve problemas de saúde nos dois últimos meses do ano. Ele teve paralisia facial, em consequência de uma virose. O deputado apresentou à Câmara, nesse caso, atestados que recomendavam “repouso domiciliar”.
“Estive doente durante 47 dias no fim do ano passado. Tive minha sogra muito doente, para morrer, mas, neste caso, as ausências não foram justificadas, porque entendi que não deveria haver pagamento do salário”. A sogra do deputado, Lucy, mãe da atriz Patrícia Pillar, faleceu em fevereiro.
Questionado sobre os motivos das ausências constantes também em 2007 e no primeiro semestre de 2008, Ciro afirmou: “Não devo explicações a você. Devo explicações ao presidente da Câmara, e tudo foi explicado, tudo foi aprovado”.
Em abril de 2008, Ciro compareceu a apenas quatro das 18 sessões, somando ordinárias e extraordinárias, um índice de 77,7% de faltas. Entre as sessões ordinárias – as que contam para a punição com perda do mandato -, Ciro faltou a sete (70%) das dez realizadas em abril. Em qualquer critério de contagem, o deputado está entre os mais faltosos.
Em outras ocasiões em que foi questionado sobre o grande número de ausências, Ciro – candidato derrotado a presidente da República duas vezes e pré-candidato do PSB à sucessão de 2010 – argumentou que precisava cumprir compromissos do partido, além da parada obrigatória por causa da doença do fim do ano passado.
Ex-prefeito, ex-governador e ex-ministro, Ciro Gomes perdeu a compostura na última quarta-feira ao negar informações de que usou parte da cota de passagens aéreas para financiar uma viagem de sua mãe, Maria José, a Nova York. O deputado disse que ela pagou do próprio bolso e que ele viajou para participar do encontro anual da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, em maio de 2008. Informou ainda que devolveu à Câmara R$ 189 mil de excedentes da cota de passagens aéreas, nestes quase dois anos e meio de mandato.
Ciro protestou no plenário. Depois, na sala de cafezinho, desandou a falar palavrões contra o Ministério Público e deputados. Chamou de “babacas” os que se aproveitaram das cotas para uso particular e agora “posam de moralistas” e atacou a divulgação de investigação de procuradores do Distrito Federal, desqualificando o Ministério Público.
Assim como outros deputados que faltam demais, Ciro foi beneficiado por ato da Mesa Diretora, de 1994, que regulamenta o comparecimento dos parlamentares. A norma considera justificados os casos de licença para tratamento de saúde, de missão autorizada pela Câmara e de morte de pessoa da família até o segundo grau. No entanto, no parágrafo único, abre brecha para outras faltas, desde que aprovadas pela Mesa Diretora mediante requerimento do deputado. Ciro teve todos os seus pedidos atendidos pela Mesa, de 2007 até agora. Com a falta justificada, o deputado garante a remuneração integral. No caso de faltas sem justificativa, o desconto varia de R$ 600 a R$ 800 por dia, a depender do número de sessões deliberativas do mês. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.