“Nós, cineastas, mobilizamos a favor de tantas causas. Até mesmo dos cineastas iranianos. E quando o assunto diz respeito à democracia brasileira, não vamos dizer nada?” Esta foi a observação do diretor João Batista de Andrade que desencadeou uma manifestação dos cineastas brasileiros em repúdio a recentes declarações de militares, com destaque para a inquietação de oficiais da reserva com relação à Comissão da Verdade (criada para apurar violações de direitos humanos durante a ditadura), inclusive sobre a escolha de seus membros, que serão nomeados pela presidente Dilma Rousseff.
O texto elaborado pelo diretor foi encaminhado ontem aos ministros Celso Amorim (Defesa), Maria do Rosário (Direitos Humanos) e Ana de Hollanda (Cultura): “Nós, cineastas brasileiros, expressamos a nossa preocupação com as frequentes manifestações de militares confrontando as instituições democráticas e o próprio estado de direito. Todos os cidadãos brasileiros têm o direito de conhecer o que foram os 21 anos de ditadura militar instaurada com o golpe de 1964. É preciso que a Comissão da Verdade, instituída para esclarecer fatos obscuros daquele período, em que foram cometidas graves violências institucionais, perseguições, torturas e assassinatos, tenha plenas condições e apoio da sociedade brasileira para realizar essa tarefa histórica. Repudiamos os ataques desses setores minoritários das Forças Armadas brasileiras, que de forma alguma irão obstruir as investigações que devem ser iniciadas o quanto antes. Estaremos atentos para que tal comissão seja composta por pessoas comprometidas com a democracia e com a verdade”.
O estopim para a elaboração do manifesto foi a entrevista do general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, ex-secretário-geral do Exército, à jornalista Miriam Leitão, publicada no jornal O Globo na sexta-feira. A entrevista também foi ao ar na Globo News, no especial Uma História Inacabada, na qual Rocha Paiva questiona a abertura dos arquivos da ditadura e a criação da Comissão da Verdade.
“Isso é um trabalho para historiadores e pesquisadores”, declarou ele, que também expressou dúvida sobre o fato de que Dilma Rousseff foi torturada na prisão. “O estopim foi, sim, a entrevista do general. Mas não queríamos ficar só como resposta a ele, e sim dizer que estamos cansados de ver isso se repetir: a reação absurda desses setores minoritários que fazem isso para impedir o real andamento das investigações. Não quisemos colocar pedido de punição, Isso é problema do governo. Queremos que o governo, punindo ou não, faça a comissão andar, que não recue”, declarou João Batista.
“Se a gente, a sociedade civil, que é maioria, não defender nosso direito de conhecer a história do Brasil, quem vai?”, completou a diretora Lúcia Murat, que foi torturada durante a ditadura. Em dois dias de existência, a lista já conta com 110 assinaturas, incluindo nomes de Lúcia, Gervitz, João Bastista, além de Ruy Guerra, Hermano Penna, Carlos Alberto Riccelli, André Ristum, Eliane Caffé, Paulo Morelli, Jorge Durán, Mariza Leão, Roberto Farias entre outros. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.