Não é possível afirmar que o escândalo de corrupção na Petrobras revelado pela Operação Lava Jato é o maior caso de desvios de dinheiro público da história do País mas é, certamente, o maior esquema já investigado e punido. A opinião é do ex-juiz baiano Jorge Hage, que entre 2006 e 2014 comandou a Controladoria-Geral da União (CGU), órgão do governo federal encarregado de investigar denúncias de corrupção.
“Não tenho os números de cabeça, mas seguramente me parece a maior investigação já feita e o maior escândalo descoberto do País. Eu não diria que é o maior escândalo ocorrido no País, porque no passado não se descobria, não se investigava. Mas é o maior escândalo descoberto, investigado e, seguramente punido”, avaliou Hage.
Para o ex-ministro da CGU, o cartel de empreiteiras desvendado pela Lava Jato vai muito além da Petrobras e espalha seus tentáculos por todo o sistema de obras de infraestrutura do País. “No caso da Lava Jato, trata-se de um cartel que fo formado de modo a dominar por inteiro a economia da infraestrutura”, afirmou.
Em meio ao tiroteio verbal entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Hage defende a petista, de quem foi ministro por quatro anos. Na semana passada, Dilma disse que a corrupção é uma “velha senhora” e FHC rebateu afirmando que ela não passa de um “bebê”. Hage se fiou na declaração do tucano para sugerir que somente um “cego, surdo e mudo” pode acreditar que a corrupção no Brasil é uma novidade.
“Quem afirmar que a corrupção é um bebê, certamente estava de olhos fechados ou fazendo papel de cego, surdo e mudo até agora. Porque até as pedras da rua sabem que a corrupção existe desde que existe a humanidade e, no Brasil, existe desde Pedro Álvares Cabral. Agora, se alguém fazia questão de até pouco tempo não enxergá-la, não investigá-la, não trazê-la para a superfície e mantê-la debaixo do tapete, aí realmente pode dizer que ela nasceu agora e é um bebê”, disse o ex-ministro.
Lei para todos
Longe do governo desde o início do ano, Hage também faz reparos na tese defendida por integrantes do governo Dilma segundo a qual é preciso salvar as empreiteiras envolvidas na Lava Jato sob o risco de prejuízos à economia e à população. Embora considere a preocupação legítima, o ex-ministro diz que as dificuldades momentâneas que podem resultar da punição às empreiteiras é compensada pelo efeito a longo prazo das sanções.
“Não se pode deixar de aplicar a lei. E o que está na lei tem que valer para todos. Na crise americana de 2008, em que estava quebrando aqueles bancos, surgiu a frase ‘too big to fail’ (grande demais para falir). Ou seja, um banco como o Lehman Brothers e outros, eram muito grandes para falir. Logo depois foi lançado um livro chamado “Too big to jail” (grande demais para a cadeia). (No caso da Lava Jato) É uma dificuldade imediata que o País enfrenta, mas a médio prazo o efeito de todo esse escândalo vai ser muito positivo para o País”, defendeu Jorge Hage.
Leniência
Embora descarte a possibilidade de a celebração de acordos de leniência com as empreiteiras resultar em impunidade, o ex-ministro disse ver com preocupação a possibilidade de a lei criada para viabilizar os acordos resulte em choque entre o Executivo e Judiciário.
“O que é objeto de preocupação de todos, desde o primeiro momento em que a lei saiu, é o fato de que no Brasil, pelo nosso sistema jurídico, as instâncias são independentes”, disse Hage. “O problema é o seguinte: será que a empresa A ou B vai querer celebrar acordo com um órgão podendo ser punida pelos outros?”, completou.
Depois de oito anos investigando desvios de dinheiro federal, Hage conclui que as estatais são o maior foco de corrupção no governo.
Segundo ele, mais do que um novo pacote de combate aos desvios, Dilma deveria se preocupar em colocar em prática o Estatuto da Empresa Pública e da Empresa de Capital Misto. O texto, que obriga as estatais a adotarem o regime de licitações, foi aprovado pelo Congresso em 1998. Até agora, no entanto, a legislação não foi regulamentada.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.