Uma carta aos três Poderes da República para exigir o cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) que condena o Brasil por violações cometidas na repressão à Guerrilha do Araguaia foi divulgada hoje no Rio de Janeiro.
O documento, com mais de 600 assinaturas, foi enviado aos presidentes da República, Dilma Rousseff; do Senado, José Sarney (PMDB-AP), da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), e do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso; e ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel. O texto começou a receber adesões em outros países das Américas na última semana e tinha lançamento previsto para evento de entrega da Medalha Chico Mendes pelo Grupo Tortura Nunca Mais na capital fluminense.
“Infelizmente, a sentença (do caso Gomes Lund e outros contra o Brasil) não foi cumprida pelo governo, que continua com um discurso como se cumprir sentença no sistema interamericano fosse self service”, disse Beatriz Affonso, diretora de programa para o Brasil do Centro Pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil). Ela afirmou que o País é “absolutamente contraditório” quando acena com uma nova política de direitos humanos no plano internacional, mas se recusa a apurar seus próprios problemas no setor. “Não dá para dizer para os outros que a ditadura deles não é razoável, mas que a nossa pode”.
A carta foi articulada por pessoas e entidades que trabalharam no processo do caso da Guerrilha de Araguaia, ocorrida nos anos 1970. Recebeu, em 30 dias, 661 assinaturas, sendo 175 de familiares de mortos ou desaparecidos políticos e ex-presos e perseguidos políticos, 102 de entidades da sociedade civil, nacionais e internacionais, e 384 de intelectuais, juristas, acadêmicos, artistas e defensores de direitos humanos.
Segundo Beatriz, a coleta vai continuar: a ideia é que, a cada 100 firmas acumuladas em cada uma dessas três categorias, o documento seja novamente encaminhado aos chefes de Poder, para exigir o cumprimento da sentença. Uma versão do texto em espanhol começou a circular internacionalmente entre ONGs de outros países em Washington. “Cada organização vai começar a colher assinaturas em seu país”, disse ela.
O processo da Guerrilha do Araguaia foi movido pelo Cejil, pelo Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM-RJ) e pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos de São Paulo (IEVE). Pela sentença, publicada em 14 de dezembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos responsabilizou o Brasil por não ter investigado, processado e punido os envolvidos no desaparecimento forçado de pelo menos 60 militantes políticos durante a ditadura militar no País, assim como por não ter esclarecido as circunstâncias em que ocorreram as violações.
Determinou ainda que a Lei de Anistia brasileira não pode ser usada para impedir a investigação e punição dos crimes contra direitos humanos. O Supremo Tribunal Federal (STF), porém, já considerou que a lei é válida para perdoar torturadores da ditadura.