A menos de um mês das eleições, a Câmara aprovou ontem em primeiro turno a emenda constitucional que acaba com o voto secreto nos processos de cassação e em todas as votações no Congresso.
Diretamente atingidos quando a mudança for efetivada, parte dos deputados processados pelo Conselho de Ética da Câmara por suposto envolvimento no esquema de sanguessugas faltou a sessão. Dos 67 deputados que estão sob risco de serem cassados, 28 se ausentaram da sessão e 3 se abstiveram. Um deles está licenciado e não compareceu à Câmara
A proposta foi aprovada com 383 votos favoráveis e 4 abstenções. Não houve voto contrário, mas o rompimento de um acordo fechado na véspera os líderes dos partidos e o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), gerou protestos do PFL. Pelo acordo, seria mantido o voto secreto nas eleições para os presidentes da Câmara e do Senado e para os demais cargos da cúpula do Congresso. O PT rompeu e acordo e foi seguido por outros partidos
"Precisamos de transparência ampla, geral e irrestrita", defendeu o líder do PSB, Alexandre Cardoso (RJ). "Apesar dos argumentos para manter o voto secreto nas eleições da Mesa, a situação no Brasil é tal, que teremos de ter toda a transparência com o voto aberto", afirmou o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ). Para romper o acordo, o PT apostou que nenhum partido teria coragem de votar contra a proposta por causa da pressão pública
A emenda deverá enfrentar resistências quando chegar ao Senado, onde alguns parlamentares disseram ser contra o voto aberto para todas as decisões. O senador Álvaro Dias (PSDB-PR), por exemplo, quer manter o voto fechado para a eleição de membros da Mesa Diretora e para a sabatina de autoridades indicadas pelo presidente da República. Já o seandor Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) quer o voto aberto só para processos de cassação
Se essas mudanças forem aprovadas no Senado, o texto terá de ser avaliado novamente pela Câmara, o que jogará para depois a aprovação da emenda. Com isso, ganhariam tempo os parlamentares sanguessugas que vierem a sofrer processo de cassação, pois eles poderiam ser julgados ainda em votação fechada
Acabar com o voto secreto passou a ser prioridade depois que a CPI das Sanguessugas pediu a cassação de 69 deputados (dois renunciaram aos mandatos) e três senadores por suposto envolvimento no esquema de venda se ambulâncias superfaturadas a prefeituras com recursos públicos.
O voto secreto virou sinônimo de pizza nos julgamentos de cassação na Câmara e considerado por deputados como o principal fator de absolvição no plenário nos julgamentos de perda de mandato. No caso do mensalão, dos 11 pedidos de cassação aprovados pelo Conselho de Ética, onde o voto é aberto, o plenário da Câmara aprovou 3 e rejeitou 8
Sem acordo, o líder da minoria na Câmara, José Carlos Aleluia (PFL-BA), afirmou que a proposta deverá ser alterada no Senado. "O Senado é uma Casa conservadora. Eu consultei os senadores e eles não aceitam o voto aberto em todos os casos, mas concordam com o fim do voto secreto nos processos de cassação", disse Aleluia
O deputado do PFL argumentou que, com o voto aberto na eleição da Mesa, os parlamentares serão pressionados a votar a favor do candidato do governo. "O governo vai eleger o presidente da Câmara por decreto", protestou Aleluia. O líder de oposição acabou retirando sua proposta quando ficou constatado que seria derrotado. A Câmara votará a proposta em segundo turno só depois das eleições de outubro. Depois a emenda segue para votação, também em dois turnos, pelo Senado
"Nós agimos em nome da população, seja qual for a nossa ação. Quando elegemos a Mesa Diretora estamos no exercício do mandato" argumentou o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), relator da emenda aprovada ontem. A proposta veda o voto secreto nas deliberações do Congresso, da Câmara e do Senado. Ela também se aplica às Assembléias Legislativas nos Estados, às Câmaras municipais e à Câmara Legislativa do Distrito Federal
Além dos processos de cassação e eleição da Mesa, o voto secreto na Câmara e no Senado é previsto para as apreciações dos vetos feitos pelo presidente da República aos projetos aprovados pelo Legislativo. No Senado, também são por voto secreto as votações para aprovação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), procurador-geral da República, de embaixadores e presidente e diretores do Banco Central.