O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, que saiu da Corte em 2012, avalia que o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, fugiu do “esquadro constitucional” das Forças Armadas ao dar declarações sobre lei e ordem no Twitter.

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“A Constituição, em matéria de preservação da lei e da ordem, diz que as Forças Armadas só poderão agir se convocadas pelos Poderes da República”, afirmou o ex-ministro em entrevista nesta quarta-feira, 4, ao jornal O Estado de S. Paulo. “Os militares não estão autorizados a atuar de pulso próprio.”

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Ayres Britto ressalta, no entanto, que Villas Bôas é um general “muito ponderado, sensato e inteirado das coisas” e que, apesar da emissão da mensagem ser passível de repúdio, o conteúdo em si reforça o compromisso do comandante com a Constituição. “Esse é o papel das Forças Armadas: atuar como instituições regulares permanentes em defesa da democracia e das instituições.” Leia os principais trechos da entrevista.

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Como o senhor analisa as declarações do general Eduardo Villas Bôas?

Em dois momentos: um subjetivo e outro objetivo. Subjetivamente, conheço o general: é muito ponderado, muito sensato, inteirado das coisas. Está perfeitamente à altura do cargo que ocupa. Agora, objetivamente, as declarações fogem do esquadro constitucional porque eu as interpreto como reveladoras de uma preocupação muito centrada na lei e na ordem. E a Constituição, em matéria de preservação da lei e da ordem, diz que as Forças Armadas só poderão agir se convocadas pelos Poderes da República. Portanto, os militares não estão autorizados a atuar de pulso próprio.

Então o sr. considera uma afronta?

Não vejo por esse prisma, seria absolutamente incabível. Porque o que atenua esse atuar fora do esquadro normativo da Constituição é o compromisso, revelado explicitamente pelo general, com a Constituição e com a democracia, o que confirma o acerto da Constituição quando colocou a matéria das Forças Armadas versando sobre o estado de direito democrático das instituições. Esse é o papel das Forças Armadas: atuar como instituições regulares permanentes em defesa da democracia e das instituições.

O sr. descarta a hipótese de haver uma ruptura institucional?

Sim. A democracia brasileira, consagrada na Constituição de 1988, já é uma viagem de qualidade institucional sem volta. E, na convicção de todos nós, estão embutidas (nessa viagem) as Forças Armadas.

O Supremo e o Judiciário têm alguma culpa nessa crise que chegou ao ponto de o comandante se manifestar no Twitter?

Não, esse link eu não faço. O Supremo segue o caminho dele, sua trajetória institucional – seguindo a ordem lógica da Constituição, que diz que quem fala por último é o Judiciário e que quem defende a Constituição é o Supremo.

Como chegamos a este ponto?

O País é “primeiro-mundista” constitucionalmente. E talvez esse seja nosso maior paradoxo (a Constituição avançada não representar, na prática, grandes avanços). Temos que ter um avanço democrático cada vez mais na direção das instituições. Chegamos a esse momento de crise porque temos caminhado de costas para a Constituição.

Que atitudes denotam isso?

A corrupção sistêmica, o corporativismo; a falta de nitidez entre presidencialismo de coalizão, que é legítimo, e presidencialismo de cooptação, que é ilegítimo; o desperdício de dinheiro público. Tudo isso a Constituição proíbe, essa indistinção tão mal feita. A Constituição manda encurtar distâncias sociais, determina a busca do pleno emprego, o tratamento favorecido a pequenas e médias empresas.