A Receita Federal decidiu abrir processo no Conselho de Ética contra um auditor fiscal que tornou pública suposta tentativa de proteger contribuintes potencialmente propícios a cometer crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. A lista é composta por políticos, juízes, funcionários do alto escalão de empresas estatais e governantes. Segundo Kléber Cabral, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), a receita estaria perseguindo os auditores fiscais que acessam dados de pessoas dessa lista, como forma de protegê-los.
A alegação do órgão corregedor é de que Cabral não foi “leal” à Receita e aos seus servidores ao divulgar questões que “desabonem a imagem da instituição”. Na notificação enviada a Cabral, a Comissão de Ética afirma que o servidor precisa ter “bom senso no uso da liberdade de expressão”.
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As regras sobre a composição da lista de Pessoas Politicamente Expostas (PPE) foram criadas em 2013, com objetivo de intensificar a avaliação sobre as informações fiscais de pessoas com posição estratégica no governo e nos órgãos e empresas de Estado. São quase 6.050 nomes, segundo atualização do início deste ano. Entre eles, senadores, deputados e governadores. Dos 108 políticos com direito a foro privilegiado que foram citados na delação da Odebrecht na Lava Jato e que tiveram abertura de inquérito autorizada pelo ministro do STF Edson Fachin, apenas 17 não estão na lista da Receita.
Segundo a Unafisco, a Receita Federal vem utilizando justamente essa lista, organizada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), do Ministério da Fazenda, para alimentar o chamado Sistema Alerta, que dedura aos altos escalões da Receita quando um auditor acessa os dados de integrantes dessa lista. Na visão dos auditores fiscais, tal prática consiste em uma “perseguição” de forma a proteger esses dados e consequentemente os integrantes da lista.
A própria Receita já admitiu que há um acompanhamento sobre os acessos a informações dos nomes desta lista. Em resposta a questionamentos da Unafisco em março de 2016, obtido pela Gazeta do Povo, o órgão afirma que não há ato normativo que preveja o monitoramento do acesso aos dados tributários das pessoas incluídas na lista de Pessoas Politicamente Expostas, mas alega que o Sistema Alerta serve para, de forma aleatória e amostral, verificar se os auditores e funcionários da Receita estão cumprindo com suas obrigações.
“O monitoramento do acesso aos dados da Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física, atualmente realizado de forma contínua e automática por meio do Sistema Alerta, é importante meio, dentre outros, que auxilia a RBF na detecção de possível acesso imotivado a informações protegidas por sigilo fiscal constantes de seus sistemas informatizados”, informou em resposta oficial a questionamento da Unafisco.
Publicidade sobre o sistema de alerta motivou processo ético
A evidência de que a publicidade sobre a existência de um sistema de alerta quando um servidor acessa dados de integrantes da lista incomoda a Receita Federal é a abertura de processo por desvio de conduta ética contra o próprio presidente da Unafisco, após ele ter declarado publicamente que há um sistema de alertas sobre as atividades dos auditores. Neste mês, Cabral foi notificado para responder em processo no Conselho de Ética da Receita Federal.
Kléber Cabral foi apoiado pelo coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol. Em sua página no Facebook, Dallagnol divulgou a nota da Unafisco e afirmou que Cabral “denunciou a existência de uma lista das chamadas pessoas politicamente expostas (PPE) e de um sistema criado pela Receita Federal que alerta os delegados, superintendentes e, por vezes, o gabinete do secretário, quando um auditor fiscal acessa dados de alguma das pessoas dessa lista”, o que teria levado o secretário da Receita Federal a enviar um ofício a Cabral cobrando explicações, além da abertura de processo na Comissão de Ética.
Em nota, a Receita afirmou que os auditores fiscais atuam de forma “vinculada à lei e exercem suas prerrogativas com autonomia funcional para combater a sonegação de qualquer contribuinte que apresente indícios de sonegação”.
“O início de um procedimento de fiscalização é resultado de um processo metodológico, realizado por auditores fiscais, que utilizam critérios técnicos e impessoais efetuados com uso de intensa tecnologia e conhecimento específico de seleção e programação, que se conclui com a emissão do Termo de Distribuição de Procedimento Fiscal – TDPF, justamente para se garantir à sociedade e aos contribuintes o cumprimento dos princípios da eficiência, moralidade e impessoalidade”, apontou a entidade. “Nesse processo de seleção impessoal realizado, frise-se, por auditores fiscais, uma vez identificados os contribuintes que serão fiscalizados, não há restrição de qualquer ordem para a realização de qualquer procedimento”, afirmou a Receita Federal.