O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu hoje o uso de medidas provisórias (MPs), mas reconheceu que o Congresso tem motivos para protestar contra a “fúria de MPs”, segundo ele decorrente do “mandonismo, que permanece uma espécie de reverência a quem manda”. “Isso vem do império, os presidentes herdaram um pouco disso”, afirmou na palestra que abriu no Interlegis – órgão do Senado encarregado da integração dos Poderes Legislativo – sobre O poder do Legislativo no mundo.
FHC argumentou que o Brasil vive hoje uma “presidencialismo de coalizão. “Criamos um sistema que é muito difícil de fazer funcionar e para governar mais ainda, porque temos um sistema fragmentado, numa federação tão desigual, no qual é muito difícil conseguir uma maioria”, disse. Ele deu como exemplo o seu caso e o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o fato de seus partidos nunca terem feito a maioria do Congresso. “O voto popular não assegura que as aspirações da maioria tenha uma tramitação tranqüila”, explicou. “Isso leva o presidente, freqüentemente, a se envolver nas negociações.”
“Isso é esdrúxulo, mas para que funcionasse esse sistema, ficou claro que o Executivo tivesse um instrumento que lhe desse mais agilidade”, afirmou. Fernando Henrique lembrou que quando houve a “rebelião no Congresso contra o abuso no uso das MPs”, ele alertou que a mudança nas regras, aprovadas na ocasião, seria pior, “porque agora, sim, o presidente pára o Congresso”. “Porque legitimamente pode emitir quantas medidas provisórias quiser e pára a pauta do Congresso”, disse. “É o que está acontecendo.” Segundo ele, se quiser limitar essa “fúria”, será necessário reconhecer, ver com mais precisão o que seria mais próprio transformar em decreto.
O ex-presidente disse que não tem “uma visão catastrófica”, mas admite que, no mundo moderno, a agenda passou muito mais a ser controlada pelo Executivo. “Quando o Executivo perde a agenda, o Congresso se perde, fica sem saber para que rumo vai”, afirmou. “Quando há uma agenda, organiza o debate e o Congresso passa a ter força, o debate passa a ter sentido.”
FHC defendeu que não cabe responsabilizar ninguém. “Está faltando uma agenda de transformação, nós estamos com uma agenda de manutenção, na qual tem uma questão que é essencial para o governo e qualquer Congresso, o Orçamento, o Congresso foi criado para isso”, lembrou.
Daí porque, segundo ele, quando o Congresso abdica do controle do Orçamento e das MPs, evidentemente que haverá uma hipertrofia do Executivo. “E essa é uma luta política, há um espaço a ser preenchido, o Congresso deveria pensar numa maneira de corrigir essa situação, não é uma questão de Estado, nem se resolve do dia para a noite e nem acredito, com a experiência que tenho, que haja uma reforma salvadora”, alegou.