A cada dia, o mar de lama se avoluma. Foge até à regra mais defendida dentro de uma CPI, o foco investigativo. Em 2005, CPIs criadas com mira definida começaram a atirar pra todo lado. Os desvios nos Correios bateram de frente com o mensalão. E chegaram na CPI do Banestado.

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Dois personagens agora disputam os principais cargos da novela no Paraná. Parceiros até dia desses, Antônio Celso Garcia, vulgo Tony Garcia, e Roberto Bertholdo, trocam acusações e autodefesas. O primeiro, figurão do escândalo do Consórcio Garibaldi, aquele que faliu deixando rombo de mais de R$ 40 milhões e milhares de clientes na mão. O segundo, seu ex-advogado, também ex de outros tantos figurões.

Bertholdo é apontado como pagador de propina ao PMDB, em troca de apoio ao governo federal. Acusado de tráfico de influências, topa com Tony Garcia, que de ?cliente? tornou-se seu principal delator. Beneficiado pela delação premiada, anda com gravador escondido sob a roupa, telefones grampeados e ambientes onde circula monitorados 24 horas por dia. Colado a ele, constantemente, um policial federal. No último sábado ele ganhou palanque no programa do jornalista Fábio Campana, articulista que tem sua carreira ponteada pelos interesses da política local. Nos estúdios da Rádio Bandnews, disse que está sendo ameaçado de morte por Bertholdo, atualmente preso.

Pagamento

Este mesmo advogado, que hoje o estaria ameaçando, teve atuação irrepreensível quando o defendeu em habeas corpus impetrado para trancar ação no Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo o próprio Tony Garcia confirmou ao juiz Sérgio Fernando Moro, da 2.ª Vara Federal Criminal de Curitiba. Bertholdo teria intermediado acordo com o ministro Vicente Leal, com o objetivo de impedir o andamento de ação penal do caso do Consórcio Garibaldi.

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O acerto previa o pagamento de R$ 600 mil pela liminar em habeas corpus e mais R$ 300 mil na confirmação do mérito. Tony confirmou o depósito dos R$ 600 mil, feito no dia 8 de agosto de 2002, através de cheque Bradesco, da empresa Maggiore, numa conta em nome da empresa Antecipa Assessoria e Planejamento e Construção Administrativa, que seria de Roberto Bertholdo. Números de agência, conta corrente e cheque constam em documento incorporado aos autos pelos advogados de Garcia, no dia 17 de março de 2005. Em troca, Roberto Bertholdo ganhou a vaga de suplente de Garcia na chapa para o Senado do partido PTC, nas eleições de 2002. O habeas corpus foi concedido e a ação voltou a andar após o afastamento do ministro Vicente Leal, justamente sob a acusação de venda de sentenças.

Operador

Agora Tony Garcia tenta detonar Roberto Bertholdo, acusando-o de ser o operador de esquema de corrupção maior que o de Marcos Valério. Somente para garantir a liderança do PMDB na Câmara Federal, nas mãos do paranaense José Borba, teriam sido gastos R$ 14 milhões. O dinheiro, angariado através de estatais como Itaipu, Furnas e Correios. ?O dinheiro não sairia dos caixas das empresas, mas de contribuições que diretores nomeados pelo PMDB exigiriam dos credores?, contou Garcia.

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Ele assegurou que Bertholdo contava que se encontrava com Delúbio Soares, Sílvio Pereira e Marcelo Sereno, em escritórios ou hotéis em São Paulo. ?Ele dizia que tratava de indicações políticas do PMDB para o governo e também pagava recursos para fazer acertos dentro do partido?, disse Garcia à revista Veja.

Trapaças com os sócios

No dia 6 do mês passado, Roberto Bertholdo prestou declaração pública no 6.º Ofício de Notas, onde relata pedido pessoal feito por Tony Garcia. Ele conta que Garcia o procurou em julho de 2004, pedindo que ele convencesse o cunhado, Christian Sigel, irmão de sua esposa Priscila Garcia, a assinar contrato de mútuo no valor de R$ 4 milhões. Christian era seu sócio numa joalheria de nome Hippo. Enquanto Garcia entrou na condição de sócio capitalista, Christian detinha 50% por haver desenvolvido todo o conceito do negócio e ser o único a deter o ?know-how? do produto objeto da sociedade. Quem representava Garcia no negócio era sua esposa, Priscila, que detinha os outros 50%.

Segundo as declarações de Bertholdo, tal mútuo serviria a dois propósitos: cobrir furo de caixa na empresa Baltimore e, num futuro próximo, prevalecer-se perante Christian em seus interesses societários. Caso Tony Garcia resolvesse retirá-lo da sociedade, o faria cobrando tal mútuo.

Bertholdo afirma que Garcia realizava mútuos em todas as suas empresas ?pois já havia visto de tudo em sua vida?. Diz que Tony Garcia havia feito o mesmo no Consórcio Garibaldi e que, até hoje, embora tenha sido sócio majoritário, nem Polícia Federal, Receita Federal e o Judiciário haviam conseguido comprovar sua ligação. O advogado reproduz afirmações que seriam de Garcia, que teria falado: ?Tenho postos de gasolina, fazenda de produção de camarão na Bahia, estacionamento em Curitiba, tudo em sociedade de terceiros, nunca apareço, assim como no caso do Consórcio Garibaldi. Aprendi que tenho que ter meus sócios na mão, caso a sociedade der (sic) errado quem responde são eles, caso der (sic) certo, fico com a maior parte, e caso faça muito sucesso, fico com tudo?. Tony teria até tentado assediar a esposa de Christian, Raphaela Sigel, para tê-la em constrangimento, mas não obteve sucesso.

Cadeia

Em novembro de 2004, quando da prisão de Tony Garcia, Roberto Bertholdo afirma ter recebido em seu escritório o casal Christian e Raphaela, mas disse que não poderia atendê-los. Dias depois, quem apareceu foi Antônio Carlos Garcia, o Nenê Garcia, irmão de Tony, novamente pedindo que Bertholdo tentasse obter a assinatura no mútuo, pois, caso contrário, Tony iria acabar, estrangular economicamente e judicialmente Christian Sigel. Nenê informou, também, na ocasião, que embora figurasse como dono da Baltimore, o dono verdadeiro desta empresa era Tony Garcia.

De fato, atualmente tramitam 19 ações, em diversas varas cíveis e no Tribunal de Justiça, propostas por Tony Garcia e/ou sua esposa, Priscila Garcia, e a empresa Baltimore, contra Christian e/ou Raphaela, e/ou as empresas Hippo e Lucca, esta uma fábrica de jóias, onde figuram como sócios Marcos Garcia, filho de Tony, e Raphaela Sigel.

Negociações com achaques

Segundo Tony Garcia, a atuação de Roberto Bertholdo na CPI do Banestado foi ?marcante?. Neste caso, as acusações têm mão dupla. O beneficiário seria Luiz Antônio Scarpin, conhecido como ?Nego Scarpin?, sócio da casa de câmbio Brasil Sul e um dos investigados. Tony diz que Bertholdo oferecia sua influência para livrar os acusados. O advogado teria pedido R$ 1 milhão, valor negociado posteriormente para R$ 300 mil, para deixar o empresário em boa situação quando fosse depor. Em depoimento à 2.ª Vara Federal de Curitiba, Scarpin afirma que quem o achacava era Tony Garcia. Ele teria se recusado a pagar e foi massacrado pelos deputados. No dia anterior, Bertholdo teria apresentado as 16 perguntas que o deputado Íris Simões faria a ele e a comprovação veio em seguida. Tony nega participação nessa negociação. Diz que apenas indicou Scarpin como cliente a Bertholdo e que este é quem teria proposto o negócio para salvar o empresário.

Em certa ocasião, ?Nego? Scarpin teria gravado a conversa entre ele e o advogado Roberto Bertholdo, temendo ser vítima de golpe. Dias depois de descobrir ter sido gravado, Bertholdo encontrou com Scarpin e os dois discutiram. O advogado teria até apontado uma arma para a cabeça do ?cliente?, fato confirmado num depoimento prestado por Tony Garcia, que revela outras testemunhas que presenciaram o fato.

Compra de apoio na eleição

Tony Garcia também assegurou que Bertholdo se gaba de ter sido o intermediário na negociação do presidente Lula com o apresentador Carlos Massa, o Ratinho, para que o apresentador só falasse bem do governo petista. Mas esta não teria sido a única negociação de apoio com Ratinho. As ações de Bertholdo também refletiram diretamente na campanha das últimas eleições para o Senado, em 2002.

Ele teria comprado o apoio de Ratinho a Tony, que concorreu pelo PTC, com Bertholdo como suplente. ?Ele assegurou que Ratinho tinha estrutura grande de campanha em função do filho dele (o deputado Ratinho Júnior). Subíamos no palanque juntos?, disse Garcia à Bandnews. Porém, apesar dos R$ 500 mil que teriam sido pagos a Ratinho, o apresentador teria sofrido pressões de Sílvio Santos para que cessasse o apoio a ele e passasse a apoiar o candidato Paulo Pimentel. O advogado convocou reunião para pressionar o apresentador que, segundo Garcia, foi gravada. Nela, o apresentador assegurou que continuaria apoiando Tony Garcia. Porém, o tratamento foi bem menos efusivo desde então.