Quando o senador Álvaro Dias (PR) filiou-se ao Podemos em julho do ano passado para disputar a Presidência da República, seus conselheiros mais próximos lhe deram uma recomendação: ignorar a região Nordeste e concentrar toda a sua agenda de pré-campanha no Sul.

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A sugestão tem uma explicação numérica. Na mais recente pesquisa Datafolha divulgada em abril, o senador chega a 11% das intenções de voto na região Sul, quase o dobro de seu ex-companheiro de partido, o ex-governador Geraldo Alckmin (6%).

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“A estratégia deles era pescar onde tem mais peixe. Mas não segui os conselhos. Vou onde sou convidado”, disse ele ao Estado. No plano nacional, o mesmo levantamento coloca o senador com 4% das intenções de voto em seu melhor cenário, marca suficiente para ser cortejado por adversários que antes davam os ombros para a sua pretensão eleitoral. “A princípio eu era ignorado como candidato. Hoje não mais”, disse Dias durante tour pelo Vale dos Sinos e Serra Gaúcha.

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Na quarta-feira passada, ao chegar em Novo Hamburgo, Dias foi saudado pelo presidente da Associação Comercial e Empresarial da cidade, Marcelo Lauxen, como “o candidato que pode unir o centro”. O senador o respondeu dizendo que existem duas opções na mesa: “Eu sou a ruptura”. Em seguida, desfiou críticas à gestão Michel Temer. “Todo governo envolvido em corrupção deve levar nota zero.”

Em sua fala, Dias criticou as “ditaduras boquirrotas” da América Latina, prometeu privatizar estatais e ironizou a febre dos candidatos “outsiders”. “O povo brasileiro desmentiu a teoria que o eleitor quer um outsider. O Brasil não é brinquedo para ser entregue a uma aventura.”

Experiência na política não lhe falta. Ex-governador do Paraná e no quarto mandado como senador, Dias, aos 73 anos, virou uma das alternativas a candidaturas ligadas ao PSDB e MDB. Semana passada, ele foi procurado por outro presidenciável: o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) ofereceu um almoço a ele na residência oficial, em Brasília.

Durante a refeição, discutiram a possibilidade de uma aliança para se contrapor a uma eventual frente formada por tucanos e emedebistas. A tese também pautou uma conversa reservada de Dias com Flávio Rocha, do PRB, após um evento do setor de supermercados em São Paulo. Coligações com PROS, PMN, Rede, PSB e Patriotas também não estão descartadas. Mas uma pergunta recorrente por onde Dias passa é sobre a possibilidade de uma aliança com o PSDB. “Tenho uma relação cordial com Alckmin, mas minha briga é com o sistema. E o PSDB é sustentáculo do atual sistema.”

Presidente nacional do Podemos, a deputada federal Renata Abreu considera “impossível” Dias ser vice de Alckmin. “Mas podemos fazer uma coalizão de centro com o DEM e PRB. O candidato pode ser aquele que tiver melhor nas pesquisas, em nome de um projeto maior de combater os extremos. A ideia é construir uma segunda chapa de centro, mais limpa e programática”. “A Renata Abreu faz as conversas. Fico na retaguarda”, disse Dias.

Ex-tucano

A relação do senador com os tucanos foi turbulenta e deixou lembranças ruins. Dias conta que em 2001, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, foi alvo de um processo de expulsão da sigla movido pelo então presidente do PSDB, José Aníbal. “O Álvaro e o irmão dele, Osmar, assinaram um pedido de CPI pedindo o impeachment de FHC. Como presidente nacional do PSDB, os procurei e disse que essa era uma iniciativa do PT. Era inaceitável que parlamentares do PSDB assinassem apoiamento à sua realização”, afirmou Aníbal.

O senador paranaense foi então para o PDT, mas voltou a ser tucano em 2002, após a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – preso e condenado na Operação Lava Jato. Em 2010, teve outro revés. Chegou a ser anunciado como candidato a vice do senador José Serra. Foi a eventos com ele nessa condição, nos quais foi anunciado no microfone como “futuro vice-presidente”. Na véspera da convenção partidária, porém, soube pela imprensa que o deputado Índio da Costa (DEM-RJ) fora escolhido após uma reunião de caciques durante a madrugada.

Quatro anos depois, em 2014, viu novamente seu nome ser colocado no centro da articulação. Ele foi procurado em seu gabinete por deputados e senadores do DEM que teriam feito um convite para que ele entrasse no partido e disputasse a Presidência.

A articulação contou com o aval de Maia, mas teria sido abortada pelo senador José Agripino (RN), que tinha pretensão de ser o vice de Aécio Neves na disputa. “Ele se dispunha a se filiar ao DEM, mas com a condição ser candidato. Eu fui um dos que disse como se aceita isso passando por cima de outros que já estavam na fila?”, disse Agripino ao Estado. Quando questionado se há a possibilidade de uma nova aliança entre PSDB e DEM, Dias repete o que ouviu de Maia no encontro. “A insatisfação do DEM com o PSDB é antiga.”

Solitário

Na quarta-feira passada, Dias estava sozinho no saguão de um hotel de Porto Alegre quando recebeu o Estado para acompanhá-lo pelo Sul. Chegou na noite anterior em um voo de carreira vindo do Rio de Janeiro. O senador respirou aliviado quando soube que, dessa vez, a secretaria do Podemos escolheu um hotel confortável. “Da última vez que estive aqui me colocaram em um hotel que não tinha cortina ‘blackout’. A porta do frigobar não fechava. Reclamei!”.

A última parada na viagem pelo Sul foi em Gramado, onde participou na quinta-feira do debate que reuniu pela primeira vez no mesmo palco, além dele, quatro pré-candidatos: Manuela Dávila (PCdoB), Henrique Meirelles (MDB), Ciro Gomes (PDT) e Guilherme Boulos (PSOL). Sentiu-se à vontade ao fazer coro as críticas ao governo Temer ao lado de Ciro, Boulos e Manuela. “O debate ideológico no Brasil é esquizofrênico. Fica difícil carimbar alguém como esquerda, direita ou centro, já que a anarquia partidária é complexa”, disse o senador que segue uma campanha sem compromissos e também fala em unificar o vasto espectro político. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.