A três meses da eleição, o governador de São Paulo, Márcio França (PSB), destinou R$ 40 milhões para tirar do papel a versão estadual de um programa que ele considera vitrine de sua gestão como prefeito de São Vicente (1997-2004), no litoral paulista: o alistamento civil de jovens. O governo vai pagar uma bolsa-auxílio de R$ 500 por mês a garotos com idades entre 16 e 18 anos em situação de vulnerabilidade social, para que eles façam cursos de qualificação e prestem serviços comunitários, como ajudar idosos a atravessar a rua. Ao todo, serão oferecidas 4.337 vagas.
Batizado de Jepoe, acrônimo de Jovens no Exercício do Programa de Orientação Estadual, o programa será implementado neste ano em 16 municípios com altos índices de violência. Entre eles está São Vicente, cidade onde França criou o Jepom (versão municipal) em 2001 e diz ter obtido sucesso reduzindo o envolvimento de jovens na criminalidade. O programa funcionou durante a gestão França e do sucessor e aliado Tércio Garcia (PSB), mas foi paralisado depois que o opositor Luis Cláudio Bili (PP) assumiu a Prefeitura, em 2013.
O término do programa coincidiu com outro duro golpe no projeto. Em 2015, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) julgou irregular a parceria firmada pela prefeitura de São Vicente com a ONG Instituto Amigos da Guarda Municipal (IAGM), em 2012, no valor de R$ 2,4 milhões, para coordenar o alistamento civil na cidade. Entre as irregularidades apontadas estão a “inexistência de concurso de projeto” e falta de esclarecimentos quanto ao gasto de R$ 35,8 mil mensais a título de “apoio à gestão”, que consistiria em uma taxa de administração, prática condenada pela Corte de Contas em parcerias com ONGs por significar lucro.
Em seu parecer, o conselheiro substituto do TCE Márcio Martins de Camargo disse que as falhas detectadas davam margem para o “apadrinhamento de entidades” e “barganha política” nas parcerias de ONGs com prefeituras. Em 2017, a Corte rejeitou recurso da Prefeitura de São Vicente, que dizia ter seguido um decreto federal de 2011 que regula os convênios, e condenou o ex-prefeito Tércio Garcia a pagar multa – o político morreu no ano anterior.
Coordenador
Para liderar o programa, França chamou o vereador de São Vicente Rogério Barreto (PPS), conhecido como Sargento Barreto, um dos responsáveis por implantar o Jepom em 2001. Ex-secretário estadual do Trabalho (2011-2012), ele era vice-prefeito de São Vicente quando a parceria com a ONG IAGM foi assinada.
Barreto foi fundador da Guarda Municipal de São Vicente na gestão França e chegou a ser investigado pelo Ministério Público pela suposta participação na ONG. Ele nega. O inquérito foi arquivado por falta de provas. “Nunca fui dono de entidade nenhuma e, sinceramente, não sei dizer como foi elaborado esse contrato porque eu era só o vice-prefeito nessa época, não tinha nenhuma função nesse programa”, disse Barreto.
Bandeira que França pretende usar na campanha à reeleição ao governo, o programa de alistamento civil foi criado em dezembro de 2015, ainda no governo Geraldo Alckmin (PSDB), com o nome “Via Rápida 18”, e regulamentado em junho do ano seguinte.
Desde então, segundo o atual governador, 4,5 mil jovens foram treinados e capacitados pelo Estado. Agora, afirma França, o programa será expandido aos municípios por meio dos convênios assinados na quinta-feira passada, que preveem repasses de R$ 27 milhões para as prefeituras comprarem uniforme, material didático e pagarem os monitores. Os outros R$ 13 milhões vão bancar seis meses de bolsa-auxílio.
França argumenta que o programa vai custar cerca de R$ 1,5 mil por jovem, enquanto um interno na Fundação Casa (onde ficam adolescentes infratores) custa R$ 12 mil por mês para o Estado. “Precisamos criar alternativas para esses jovens, recrutá-los para o nosso lado oferecendo uma chance de qualificação e trabalho. Isso muda a perspectiva desses meninos e deixam eles menos suscetíveis à criminalidade”, disse. “Não dá mais para manter essa política de aumentar o número de policiais e de presídios.”
Violência
Ele argumenta que o Jepom ajudou a reduzir “drasticamente” a violência em São Vicente na sua gestão. Dados da Secretaria da Segurança Pública mostram, contudo, que o número de homicídios entre 2001 e 2012 caiu de forma expressiva não apenas na cidade litorânea (77%) mas em todo o Estado (61%). Por outro lado, no mesmo período, o número de roubos em São Vicente subiu 48%, seis vezes mais do que a média estadual (8%).
“Senti claramente uma mudança da violência na minha cidade entre os jovens. Antes morriam de 15 a 20 meninos por ano. Em dez anos de programa não morreu nenhum”, afirmou o governador. Segundo ele, os 16 municípios escolhidos passaram por um critério de seleção que levou em conta indicadores de vulnerabilidade social, criminalidade e orçamento municipal per capita. E a quantidade de vagas oferecidas foi definida de acordo com o número de habitantes de cada cidade.
França disse que o governo do Estado efetuará os repasses aos municípios e que caberá às Prefeituras contratar as entidades que coordenarão o programa e prestar contas com TCE. Segundo o governador, a condenação da parceria em São Vicente pela Corte de Contas não tira a credibilidade do projeto. “Se teve algum problema lá atrás em São Vicente eu desconheço, mas não dá para macular o programa por conta de questão de concorrência”, afirmou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.