Sobrou para o governo de Jair Bolsonaro (PSL) renegociar o anexo C do Tratado de Itaipu com o governo do Paraguai. Até 2023, os dois países terão de entrar em acordo sobre as bases financeiras do contrato – e isso pode afetar o preço da energia comercializada no país, atingindo diretamente a conta de luz dos brasileiros.

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Os paraguaios estão se preparando há mais tempo, com cursos de capacitação e diagnósticos sobre as possibilidades do setor elétrico no país. No Brasil, ainda durante o governo de Michel Temer, o então ministro Moreira Franco quis montar um grupo técnico para estudar o assunto e deixar um legado para o próximo governo. O novo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, já sinalizou que o tema está entre as prioridades de sua gestão.

Apesar de o acordo ter validade até agosto de 2023, a negociação será complexa porque a parte financeira engloba o valor de venda do excedente de energia que o Paraguai não consome e os royalties pagos aos municípios lindeiros pela exploração do Rio Paraná para a geração de energia.

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Um complicador é que já existem contratos de energia sendo negociados para o mercado futuro levando em conta as atuais bases do tratado, que podem mudar. Outro ponto é que em 2023 a dívida do Paraguai com o Brasil, contraída para a construção da usina, estará totalmente liquidada. Uma previsão inicial era para esse novo acordo ser finalizado até 2022 – que seria o último ano de mandato de Bolsonaro no Brasil e de Mario Abdo Benítez no Paraguai.

Produção dividida. Consumo, não

Hoje, a produção de energia da usina é de 14 gigawatts (GW), dividida igualmente entre os dois países. Essa divisão não será alterada, mas os termos de negociação do excedente de produção, sim.

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O Brasil compra cerca de 85% da parte paraguaia, que é vendido a preço de custo. A produção da usina fornece cerca de 15% da energia consumida no Brasil. Já o Paraguai tem um consumo menor que o brasileiro e também carece de estrutura de linhas de transmissão – o que é gerado em Itaipu equivale a 90% do consumo do país vizinho.

Pelas regras em vigor, os dois países só podem vender o excedente de energia produzida entre si. Esse é mais um ponto que está em jogo. Em agosto do ano passado, o diretor interno de Itaipu pelo lado paraguaio, José Alberto Alderete, declarou na Câmara dos Senadores do país vizinho que acreditava ser mais justo vender o excedente de energia a preço de mercado, mas que o ajuste da tarifa deveria ser submetido a uma análise técnica. Ele adiantou que os paraguaios querem colocar na mesa de negociação a possibilidade de vender o excedente a terceiros.

E é isso que pode encarecer a fatura da conta de energia do consumidor brasileiro. Como a Gazeta do Povo já mostrou, ainda em 2017, há uma expectativa por parte do mercado em leilões de energia e em poder comprar livremente a energia produzida em Itaipu. Por outro lado, caso o Paraguai opte por vender a terceiros ou aumentar o preço praticado na negociação com o Brasil, isso pode invariavelmente fazer com que a conta de energia suba por aqui, porque esses aumentos serão repassados ao consumidor.

O principal obstáculo para o Paraguai conseguir manejar a sua parte da energia produzida mais livremente é a carência de infraestrutura. O país precisa de mais linhas de distribuição. Em entrevista registrada pelo periódico Ultima Hora, o presidente da Administração Nacional de Eletricidade (ANDE), Pedro Ferreira, explicou que o país precisa de ao menos quatro linhas de transmissão, mas só possui uma. Para ele, melhorar a qualidade do serviço elétrico por lá é vital para se colocar em igualdade de condições na negociação com o Brasil.

O que mais está em jogo

O Paraguai está se preparando para a renegociação do tratado. Um exemplo é um curso acertado ainda em 2018 a partir de um convênio com a Universidade de Salamanca, a Universidade Paraguaia Alemã e a União Industrial Paraguaia. O objetivo é formar 60 pessoas, entre março e julho de 2019, para serem mediadores e negociadores de alto nível para atuarem em Itaipu. O governo também está trabalhando a revisão da política energética e avaliando a formação de uma equipe de trabalho para lidar diretamente com isso.

Aqui no Brasil, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, listou a renegociação do Anexo C como um ponto crucial de sua gestão. Foram destacados três tópicos principais sobre os quais os técnicos deverão se debruçar: a quantidade de energia de Itaipu com que o Brasil poderá contar, a melhor forma de comercializar e precificar a energia, e a avaliação de medidas complementares para preservar a contratação plena do mercado das distribuidoras, em um cenário que possibilite incentivar a expansão da geração.

Mas há outro ponto importante para o lado brasileiro: o que vai acontecer com os royalties pagos aos municípios como uma indenização pelo uso do potencial hidrelétrico do Rio Paraná. Segundo a companhia, entre 1985 e 2018, foram pagos cerca de US$ 11 bilhões em royalties aos dois países. Esse pagamento também está definido no Anexo C.

Dirigentes de Itaipu garantem que os royalties não vão acabar, mas a forma de cálculo do valor de repasse pode ser modificada. No Brasil, 16 cidades recebem esse recurso – são 15 no Paraná e uma no Mato Grosso do Sul. No país, esse dinheiro pode ser usado para investimento em saúde, educação e segurança, por exemplo, mas não serve para cobrir despesas com pessoal. Parte dos recursos ainda é dirigida aos estados, aos municípios e estados atingidos indiretamente e órgãos federais.

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