A tentativa de descobrir o destino dos R$ 7,3 milhões que foram desviados da Universidade Federal do Paraná (UFPR), promovendo uma acareação entre as acusadas, resultou em poucas respostas e muitas ofensas. Conceição Abadia de Abreu Mendonça e Tânia Catapan, servidoras da UFPR, Maria Áurea Rolland, funcionária aposentada, e a filha dela, Gisele Rolland são apontadas, pelo Ministério Público Federal, como as principais responsáveis pelo esquema revelado na Operação Research. No decorrer da ação judicial que tramita na 1ª Vara Criminal Federal em Curitiba, os depoimentos delas foram tão contraditórios que o juiz Marcos Josegrei autorizou que elas fossem colocadas frente à frente para buscar desvendar quem estava falando a verdade.
O confronto aconteceu na tarde do dia 23 de fevereiro, na mesma sala de audiências que já recebeu alguns depoentes famosos da Lava Jato. De calça justa, na altura da canela, e sapato bicolor de salto fino, Gisele parecia ostentar, com orgulho, a tornozeleira eletrônica. As outras duas rés aparentemente preferiram esconder o aparelho em calças de boca larga. Maria Áurea, devido à idade avançada e a dificuldade de locomoção, foi liberada do monitoramento. Todas foram presas em decorrência da operação e chegaram a dividir, por algum tempo, a mesma cela da carceragem da Polícia Federal. Mas o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) considerou que elas poderiam aguardar o julgamento em liberdade.
Conceição, que era responsável por todos os pagamentos do setor de pesquisa da UFPR, disse que soube de desvios praticados quando Maria Áurea ainda trabalhava na universidade – que consistiam em licitações direcionadas para empresas que não entregavam efetivamente os produtos pelos quais recebiam. Essa situação é fruto de outra investigação. Contudo, estava ficando cada vez mais difícil operacionalizar a fraude e surgiu a possibilidade de direcionar dinheiro para falsos pesquisadores. Ela declarou que o esquema foi combinado em uma reunião fechada, em uma sala, em que as quatro participaram. Já Gisele disse que nunca participou de nenhuma reunião e que foi procurada por Conceição para ajudar a arrumar contas bancárias, porque a servidora teria dito que estava com problemas para quitar pagamentos de fornecedores. Gisele também disse que entregava o dinheiro depositado a Conceição, ficando com R$ 1,1 mil.
Nas duas horas seguintes, o que se viu foram trocas de ofensas, que não contribuíram para descobrir onde o dinheiro da UFPR foi parar. Não foi esclarecido nem mesmo como elas se conheceram. Enquanto Conceição dizia que frequentava há anos a casa dos Rolland, Gisele declarava que só foi apresentada à servidora nos corredores da UFPR, enquanto vendia artesanato. “Eu nem gosto de artesanato. Acho brega!”, disparou Conceição. “Gosta sim, de vasos amarelos”, retrucou Gisele. Nessa hora, o juiz interferiu e deixou claro que não era esse o motivo pelo qual estavam ali.
Sempre que uma contradição surgia, os ânimos se exaltavam. Mas alguns momentos foram hilários. Como a acusação de que Conceição havia esbanjado, em uma vida de riqueza, com joias e sem repetir roupa, além de muitas viagens, incluindo cruzeiros com o cantor Roberto Carlos. A servidora confirmou que havia viajado, disse que era um sonho e que parcelou o pagamento da passagem. O assunto veio à tona enquanto se tentava estabelecer a proximidade entre Tânia e Conceição, já que elas deram declarações contrastantes. Enquanto Tânia dizia que não tinha nenhuma intimidade com Conceição, esta disse que as duas chegaram a dividir a mesma cabine e até a mesma cama num cruzeiro com o cantor Roberto Carlos. Tânia confirmou. Nessa hora, o juiz Marcos Josegrei perguntou se o artista cantava mesmo ou era playback. A sala, lotada de advogados, caiu na gargalhada.
Universidade assegura que melhorou formas de controle
Além da criação do Comitê de Governança de Bolsas e Auxílios e do Plano de Transparência e Dados Abertos, anunciada logo após as denúncias, a UFPR informou, por meio da assessoria de imprensa, que aperfeiçoou seus sistemas internos para garantir mais transparência e rastreamento das informações. Em novembro, foi lançada a nova versão do Sistema Integrado de Gestão Acadêmica – o SIGA 3.0, que organiza as informações dos programas de pós-graduação, integrado com outras plataformas, como a do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e a da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O sistema permite traçar um histórico de cada personagem da instituição: pessoas, cursos, disciplinas, projetos, infraestrutura, produção intelectual e gestão, produzindo rastreáveis e auditáveis.
Entenda o caso
Aproveitando-se de brechas no sistema interno da UFPR, servidores incluíram na lista de beneficiados de auxílio-pesquisa pessoas que não tinham vínculo com a instituição e que não teriam prestado qualquer serviço. O desvio começou pequeno, com poucos envolvidos e pagamentos módicos, e cresceu de forma a chegar a 30 pessoas, incluindo moradores de outros estados, que constavam como beneficiários de bolsas de pesquisas. Os pagamentos suspeitos tiveram início em 2013 e se estenderam até 2016. Cabeleireira, artesã, motorista e vendedor estão entre as profissões dos supostos bolsistas. Os valores desviados são significativos: os R$ 7,3 milhões representam 6% de tudo o que foi destinado para auxílio a estudantes e pesquisadores no período (R$ 122 milhões, em quatro anos). Os pagamentos escaparam a todas as formas de controle da UFPR.
Nove servidores da UFPR tiveram os bens bloqueados, na busca pelo ressarcimento dos valores desviados de pesquisas para pessoas que não tinham qualquer vínculo com a universidade. O reitor Ricardo Marcelo Fonseca afirmou, à época, que soube do desvio de recursos logo que assumiu a administração da UFPR, em janeiro, mas que a denúncia à Polícia Federal havia sido feita poucos dias antes de ele tomar posse, ainda na gestão do ex-reitor Zaki Akel. Ambos afirmam que tomaram providências assim que foram informados sobre condutas irregulares.