Rio de Janeiro – A constatação de que há racismo no atendimento público de saúde e desigualdade étnico-racial no país é a base da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, que foi apresentada nesta quinta-feira (26) pelo ministro da Saúde, Agenor Álvares, durante o 2º Seminário Nacional de Saúde Integral da População Negra.
O conjunto de diretrizes, que ainda precisa ser aprovado pelo Conselho Nacional de Saúde, prevê uma série de estratégias para melhorar a saúde da população negra, mais vulnerável a doenças, seja pela discriminação sofrida ao buscar os serviços de saúde, por predisposição orgânica ou pelas condições sociais desfavoráveis.
De acordo com o ministro Agenor Álvares, humanizar o atendimento e combater a discriminação nas instituições e serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) é o principal objetivo do plano. Álvares disse que existem indicadores de que o atendimento aos negros é diferente do atendimento aos não-negros.
"Isso tem que acabar", afirmou o ministro. Seundo ele, a falta de atendimento, ou o atendimento pior e menos humanizado, muitas vezes, é por questão de racismo. "A universalização diz que todos são iguais no seu atendimento, e é por isso que estamos lançando essa política. Esse é o grande desafio que temos no SUS hoje?, destacou o ministro.
Segundo a coordenadora da organização não-governamental (ONG) Crioula, Lúcia Xavier, a discriminação da população negra ocorre desde sua chegada ao serviço de saúde até a realização de exames e outros procedimentos. Lúcia, que também faz parte do Comitê Técnico de Saúde da População Negra, vinculado ao Ministério da Saúde, citou pesquisa feita pela Fundação Osvaldo Cruz e pela Prefeitura do Rio na qual fica demonstrado que mulheres negras recebem menos anestesia do que as brancas na hora do parto.
?As parturientes acabam recebendo até menos anestesia, porque se acredita que as mulheres negras seguram mais a dor. Então, a seleção de quem vai receber uma medicação, independente de ser uma prescrição, tem a ver também com o olhar que se tem sobre a mulher negra? argumentou Lúcia Xavier, Para ela, tal tipo de prática tem relação direta com a mortalidade materna, cujos índices nacionais para as mulheres negras estão bem acima dos registrados para as brancas.
Ela ressaltou que, ao evitarem tocar nas mulheres negras, os médicos deixam de agir na prevenção de câncer de mama e de útero, que têm alta incidência neste segmento da população. ?Os exames que são necessários acabam não rolando, porque há um certo nojo, um certo desprezo pela pessoa?, relatou.
A diretora do Departamento de Apoio à Gestão Participativa do Ministério da Saúde e coordenadora do Comitê Técnico de Saúde da População Negra, Ana Costa, confirma que há ?práticas cristalizadas? de discriminação e racismo no processo de atendimento. ?Várias pesquisas mostram, por exemplo, que mulheres negras não são tocadas no momento de exames. Temos evidências de que, numa fila de emergência, o negro é preterido em relação ao branco?, acrescentou.
Para combater o racismo no SUS, a Política de Saúde Integral da População Negra prevê, além da introdução de conteúdos sobre vulnerabilidade dessas pessoas na capacitação dos trabalhadores em saúde, o fortalecimento do controle social dos serviços pelo Movimento Negro e o estímulo para que a população denuncie os casos de discriminação por meio de uma ouvidoria que será criada especialmente para isso.
Também fazem parte das diretrizes o incentivo à produção de pesquisas científicas sobre questões relacionadas à saúde da população negra e o desenvolvimento de ações específicas para as doenças de maior prevalência na entre os negros. O objetivo é reduzir os níveis de incidência de problemas como aids, tuberculose, hanseníase, mortalidade materna, câncer de próstata e câncer cérvico-uterino. A mortalidade pela aids é uma mostra da desigualdade na incidência dos problemas de saúde. Em 2000, a taxa de mortalidade por aids para homens brancos no Brasil foi de 22,77 em cada 100 mil, enquanto para os negros o número chegou a 41,75 mortes em cada mil pessoas.
De acordo com Ana Costa, a maior incidência de tais doenças na população negra é conseqüência da exclusão social. ?A maioria dessas doenças é determinadas socialmente, é a condição social inferior que os torna [os negros] mais vulneráveis?. A médica disse que outro foco de ação são as doenças às quais a população negra tem maior predisposição orgânica, como a anemia falciforme (causada por uma modificação nas células do sangue) e a hipertensão arterial.
Ana Costa também destacou a orientação da política para atuar na prevenção da violência. Segundo ela, as mortes violentas são hoje a maior causa de óbito de jovens negros no país. ?Os nossos adultos jovens negros estão morrendo pelo menos cinco vezes mais do que os adultos jovens brancos?.
A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra será apreciada e votada pelo Conselho Nacional de Saúde no dia 8 de novembro. A elaboração do plano vêm sendo debatida há três anos no Comitê Técnico de Saúde da População Negra, do qual participam técnicos do Ministério da Saúde, pesquisadores e ativistas do movimento negro.