Após edição da lei dos Juizados Especiais, surgiu a controvérsia, até hoje não resolvida definitiva e convincentemente pelo Judiciário, se a Policia Militar pode, validamente, lavrar “termo circunstanciado” da Lei 9.099/95. O artigo 69 da referida lei é assim redigido: “A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado…”

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O TJSP, ampliando o que está na lei, através do Provimento 806/03, decidiu aceitar o termo circunstanciado lavrado pelo policial militar entendendo que “considera-se autoridade policial apta a tomar conhecimento da ocorrência e a lavrar termo circunstanciado, o agente do poder público, investido legalmente para intervir na vida da pessoa natural, que atue no policiamento ostensivo ou investigatório”. A Corregedoria do TJPR, pelo provimento n.º 34/2000, foi mais explícita na ampliação e formulou que: “a autoridade policial, civil ou militar, que tomar conhecimento da ocorrência, lavrará termo circunstanciado…” entendimentos estes seguidos por Santa Catarina, Rio Grande do Sul, entre mais Unidades da Federação.

Em 1998, quando defendia interesses de um acusado, tive a oportunidade de impetrar “habeas corpus” perante o STJ (n.º 7.199/PR reg. 98.0019625-0) sustentando a ilegalidade do ato da lavratura de TC pela PM. Argumentamos, tecnicamente, com a falta da previsão legal (diferenciando conceitualmente atividades da polícia civil e militar) e, entre mais raciocínios, se o “termo” veio para substituir ou simplificar o inquérito policial e se este era instaurado pela Polícia Civil, a competência privativa para tal ato continuaria sendo exclusivamente desta.

Sinceramente, quando sobrevém decisão do STJ, na qualidade de impetrante me senti como tendo andado em círculo. A começar pela ementa: “Penal. Processual Penal. Lei n.º 9.099/95. Juizado Especial Criminal. Termo Circunstanciado e notificação para audiência. Atuação de Policial Militar. Constrangimento Ilegal. Inexistência. Nos casos de prática de infração penal de menor potencial ofensivo, a providência prevista no art.69, da Lei n.º 9.099/95, é da competência da autoridade policial, não consubstanciando, todavia, ilegalidade a circunstância de utilizar o Estado o contingente da Polícia Militar, em face da deficiência dos quadros da Polícia Civil. Habeas denenegado”. Voto. O Exmo Ministro Vicente Leal (relator): “sustentam os impetrantes que o paciente foi vítima de constrangimento porque, tendo sido acusado de prática de infração de menor potencial ofensivo, a lavratura do termo circunstanciado e a notificação para comparecer em Juízo foi efetuado por autoridade da Polícia Militar. Ora, tal fato não consubstancia qualquer ilegalidade, nem afronta ao direito de locomoção do paciente. É certo que, como acentuado no parecer do Ministério Público, tal providência deve ser realizada, a priori, pela Polícia Judiciária, através de Delegado de Polícia. Todavia, não tendo a Polícia Civil estrutura para atender a demanda desses serviços, não há impedimento legal que desautorize o Poder Executivo Estadual a utilizar os órgãos da Polícia Militar, em regra destinados a relevante tarefa de policiamento ostensivo fardado. A propósito, transcreva-se excerto do parecer mencionado: “outrossim, tecnicamente também não há prejuízo algum para o paciente. Como não se trata de inquérito policial, não se deve exigir a exclusividade do Delegado para lavrar o termo, como afirma o impetrante em vista de seus conhecimentos técnicos. Ora, a Polícia Militar está qualificada para atender a chamados de ocorrência de delitos, e, com certeza, saberá identificá-los, não com o rigor técnico de um profissional do direito, mas com a experiência de sua digna atividade.

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Ademais, o termo circunstanciado não é meticuloso na análise do fato típico, mas apenas informa a ocorrência do delito e a data em que haverá audiência perante o Juiz.’ Correto, o pronunciamento da ilustre representante do MP o qual incorporo a este voto, adotando como razão de decidir. Isto posto denego o habeas corpus…”

Bateu-nos uma tristeza quando da leitura do acórdão. Em primeiro lugar por tornar ainda mais obscura a matéria, dando a entender que em lugares em que não há pessoal da polícia civil (“em face da deficiência dos quadros…”) poderia a PM lavrar TC. Pasmem todos, pois o lugar da lavratura do TC impugnado foi Guaratuba Paraná, em plena temporada de veraneio e com a “Operação Verão” da Polícia Civil do Estado do Paraná em funcionamento, ou seja, o que menos faltava no lugar eram Delegados da Polícia Civil. Aliás, a Associação Estadual dos delegados de Polícia do Estado do Paraná tem sua sede litorânea justamente naquela cidade.

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Pelo acórdão do STJ, com o qual discordamos frontalmente pois competência funcional é matéria de ordem pública, a PM somente pode lavrar TC onde não tenham Delegados ou Delegacias da Polícia Civil?

Elias Mattar Assad é presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas. www.abrac.adv.br