O ministro da Justiça, Paulo de Tarso Ramos Ribeiro, determinou hoje a abertura dos arquivos da Polícia Federal (PF) relativos à época do regime militar e classificou o ato como “um reencontro do Estado com a sociedade”. A partir de agora, integrantes da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça e os familiares das vítimas poderão ter “acesso irrestrito” aos documentos do período que estão de posse da PF.
Para o presidente da comissão, Luiz Francisco da Silva Carvalho, esses documentos podem mudar muitas versões de mortes e poderão até mesmo ajudar a identificar locais onde podem ter sido enterradas algumas das vítimas.
Paulo de Tarso admitiu que a abertura de arquivos ainda é um tema “delicado”, mas não há motivos para se “temer a delicadeza dos fatos”. Depois de assegurar que o governo “não é movido pelo intuito revanchista”, o ministro disse que “a anistia só se completa com o sepultamento das vítimas”.
A abertura dos arquivos pela PF inclui o período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988. Apesar de o despacho de Paulo de Tarso à PF citar que o acesso aos documentos é irrestrito, uma lei de janeiro de 1997, assinada pelo então ministro Nelson Jobim, impede que documentos secretos e ultra-secretos sejam abertos em prazo entre 40 e 100 anos.
Atualmente os únicos arquivos disponíveis em relação a este período estão espalhados pelas áreas de inteligência das superintendências estaduais da Polícia Federal. Com isso, a comissão dos desaparecidos políticos só terá acesso a papéis classificados como confidenciais e sigilosos. O presidente da comissão descarta qualquer tipo de conflito com as Forças Armadas: “Já se passaram décadas. Não há motivo jurídico ou político para isso”, observou Luiz Francisco.
O representante das Forças Armadas na comissão, general Oswaldo Pereira Gomes disse não acreditar que haja grandes novidades na abertura destes arquivos. Ele assegurou que as Forças Armadas não têm nada a esconder e que os militares querem que tudo fique esclarecido.
Nem o presidente da comissão dos desaparecidos nem a representante dos familiares, Suzana Lisboa, têm idéia de quanto tempo se levará para avaliar estes novos arquivos. Até hoje, apenas três dos 160 desaparecidos (reconhecidos oficialmente) foram localizados e identificados. Suzana acredita, no entanto, que o ex-diretor geral da PF, hoje senador Romeu Tuma (PFL-SP) “pode ter retirado informações e documentos importantes” dos arquivos. Segundo ela, Tuma já havia feito o mesmo no Departamento de Ordem Política e Social (Dops), em São Paulo.
Presente à solenidade de anúncio da medida, o integrante do GrupoTortura Nunca Mais de Goiás, Waldomiro Batista, irmão do ex-militante político Marco Antônio Batista, morto durante o regime militar, entregou ao ministro da Justiça um documento pedindo que o presidente Fernando Henrique Cardoso edite uma Medida Provisória ampliando a Lei 10.536, de 14 de agosto deste ano. Ele quer incluir na lista dos indenizados os parentes dos que morreram em guerrilha urbana, confrontos de rua e passeatas ou que se suicidaram em decorrência de perseguição política. De acordo com Waldomiro, pela proposta, cerca de 50 famílias seriam beneficiadas.