1. Normas incidentes
Com o vazio normativo existente na legislação do trabalho, qual seria a regra aplicável sobre o momento próprio para alegar-se a prescrição?
O art. 162 do anterior Código Civil (Lei n.º 3.071, de 1.º/1/16) tinha a seguinte redação: “A prescrição pode ser alegada, em qualquer instância, pela parte a quem aproveita”.
O art. 193 do novo Código Civil (Lei n.º 10.406, de 10/1/02) diz: “A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita”.
Interpretando o dispositivo do Código Civil de 1916, Manoel Antonio Teixeira Filho afirmava que o art. 300 do CPC havia revogado o art. 162, porque, ainda que a prescrição possa ser considerada figura do direito material, cabe às normas de processo fixar o momento em que a prescrição deva ser argüida. Desse modo, segundo esse autor, sendo a prescrição de direitos patrimoniais matéria de defesa está alcançada pelo princípio da eventualidade, contido no art. 300 do CPC, razão pela qual deve ser alegada na defesa, sob pena de preclusão. De qualquer modo, continua o jurista, “mesmo que não se entenda haver o art. 300 do CPC, revogado o art. 162, do Código Civil, esta norma não deve incidir no processo do trabalho, por ser com este manifestamente incompatível, em virtude de possibilitar o desperdício de atividade jurisdicional e de tempo e de premiar a negligência ou a má-fé, de parte do réu”.(1)
A Súmula n.º 153 do TST afirma: “Não se conhece da prescrição não argüida na instância ordinária”.
Examinando esse tema, Raymundo Antonio Carneiro Pinto conclui que “a prescrição é um direito que decorre de lei e, portanto, contra sua argüição em RO não poderá ser alegada a preclusão, aplicável à matéria de fato”.(2)
Por maioria absoluta, recentemente, o C. TST, manteve o teor da Súmula n.º 153 (Resolução n.º 121, 2003, Tribunal Pleno, de 28.10.03).
Embora feitas sob a égide do art. 162 do CC de 1916, posto que o texto de 2002 não se modifica em essência (art. 193), permanecem aceitáveis as ponderações feitas por Valentin Carrion, no sentido de a prescrição poder ser alegada em qualquer instância “inclusive, portanto, perante a segunda quando do recurso (nas reclamações trabalhistas, nos Tribunais Regionais, ainda que não argüida na primeira); também em contra-razões, desde que se dê oportunidade à parte contrária para responder; mas não da tribuna, em sustentação oral, quando já houve preclusão, porque impede à parte contrária defender-se; não pode ser argüida em recurso de revista ou extraordinário, pois neles o STF e o TST são graus de jurisdição e não terceira instância”.(3)
2. A argüição em parecer pelo Ministério Público do Trabalho
Grande debate se estabeleceu em torno da possibilidade de o Ministério Público do Trabalho estar legitimado ou não a argüir prescrição trabalhista através de parecer nos autos.
Pacificou-se a celeuma com a Orientação Jurisprudencial n.º 130 da SDI I do C. TST, inserida em 20.04.98, a qual consagra o seguinte: “Prescrição. Ministério Público. Argüição. Custos legis. Ilegitimidade. O Ministério Público não tem legitimidade para argüir a prescrição a favor de entidade de direito público, em matéria de direito patrimonial, quando atua na qualidade de custos legis (arts. 166, CC e 219, § 5.º, CPC). Parecer exarado em remessa de ofício”.
3. O que é instância ordinária? O término do prazo do RO – memorial e sustentação oral
No processo do trabalho, as instâncias ordinárias são duas. A Vara ou o Juiz de Direito investido de jurisdição trabalhista, e o TRT (primeira e segunda instâncias, respectivamente).
Portanto, somente até o término do prazo para recorrer pode se admitir que, pela primeira vez, argúa-se a prescrição.
Em algum momento da história do Judiciário Trabalhista admitiu-se a prescrição argüida em memorial, e mesmo em sustentação oral. Hoje, essas hipóteses parecem descabidas, conforme se vê dos seguintes julgados: a) TST-E-RR-677474/00. Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula; e b) TST-RR-45092/92.1. Rel. Min. Manoel Mendes de Freitas. Ac. 3.ª T. 4.755/92.
4. A não admissibilidade em fase executória
Não reconhecida a prescrição na fase de conhecimento não se pode admiti-la na fase executória. Esse também é o sentimento jurisprudencial:
“Deixando a empresa passar todas as oportunidades para alegação da prescrição, encerrando-se o processo de conhecimento, uma vez feita a liquidação, obedece-se ao título executivo, não mais podendo ser ventilada a matéria prescricional. Pois, é defeso na liquidação discutir de novo a lide, ou modificar o julgado. A sentença de liquidação interpreta, restritivamente, o título executivo, e não o pedido”.(4)
A prescrição de que estamos tratando não se confunde, vale lembrar, com a intercorrente, argüível no curso da ação, após a sentença (art. 741, VI, do CPC e Súmula 150 do Excelso STF). Esta ocorre quando, na execução, o credor deixa estacionado o processo pelo mesmo prazo da prescrição da ação (dois anos – art. 7.º, XXIX, da CF).
5. A argüição ou não em defesa e a improcedência da ação – as contra-razões
Como se assinalou, em lembrança de Valentin Carrion, admite este autor que se argúa a prescrição “também em contra-razões, desde que se dê oportunidade à parte contrária para responder”. Esse entendimento, consoante a Súmula n.º 153 do TST, não pode ser tido como válido, pois o momento seria o do último dia do prazo para interpor recurso ordinário. As contra-razões não removeriam o obstáculo intransponível do prazo já esgotado.
O professor Valdyr Perrini, entretanto, afirma: “A argüição da prescrição fora da contestação, entretanto, há de ser admitida em consonância com a aplicação do princípio constitucional do contraditório”.(5)
Os fundamentos seriam no sentido que a possibilidade de argüir a prescrição na instância ordinária não poderia se prestar como válvula de escape para que o devedor se exima do crivo do Contraditório e da Ampla Defesa.
Há, entretanto, um aspecto fundamental a esclarecer: e se a parte argüiu a prescrição mas a ação foi julgada improcedente, sem ter sido apreciada aquela prejudicial de mérito? Deve, em princípio, opor embargos declaratórios para que o juiz complete a prestação jurisdicional, sob pena de não o fazendo infringir o art. 93, IX, da CF/88. Não apreciada a invocação teria que fazer uso do recurso adesivo, requerendo a nulidade do julgado. Essa é uma fundamentação admitida, por cautela, que se mostra predominante na 2ª Turma do E. TRT da 9.ª Região.(6)
Para nós, no entanto, sendo improcedente a reclamatória, se a prescrição foi oportunamente argüida em defesa (ainda que não apreciada em sentença), é devolvida essa matéria com o recurso que se volta à procedência, mesmo sem adesivo. É a aplicação do princípio da devolutividade. Nesse sentido, de clareza solar são os argumentos jurídicos do seguinte aresto:
“Se o Tribunal Regional do Trabalho modifica a sentença prolatada em primeiro grau para, pela vez primeira, condenar a Reclamada ao pagamento de adicional de insalubridade, cabe-lhe examinar a prescrição argüida em defesa, mesmo que ela não tenha sido renovada nas contra-razões ao recurso ordinário. Entendimento contrário afronta ao art. 515, § 1.º, do CPC”.(7)
NOTAS:
(1) TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Petição inicial e resposta do réu. São Paulo: LTr, 1996. p. 294-296.
(2) PINTO, Raymundo Antonio Carneiro. Enunciados do TST Comentados. 6. ed. São Paulo: LTr, 2002. p. 142.
(3) CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho. 28. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 78.
(4) TST-RO-AR 06.098/91.5. Rel. Min. Cnéa Moreira. Ac. DI 710/92.
(5) PERRINI, Valdyr. Prescrição e a decadência no direito do trabalho – aspectos polêmicos. In: DALLEGRAVE NETO, José Affonso e GUNTHER, Luiz Eduardo (Coordenadores). O impacto do novo Código Civil no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p. 324.
(6) TRT-PR-RO 00564/2001-656-09-00-6 (RO-03633/2003). Ac. 26.227/03. DJPR 21.11.03.
(7) TST-RR-287.057/96.2. Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula. Ac. 2.ª T. DJU 12.02.99.
Luiz Eduardo Gunther e Cristina Maria Navarro Zornig, juiz e assessora no TRT da 9.ª Região.