Toda a dúvida é permitida e tem cabimento. No entanto, poucos terão pilha suficiente para minimizar a impressão cada vez mais encorpada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um autêntico mago no aviamento das evidências que realmente chegam com força ao imaginário popular, isto é, aquele contingente populacional que lhe garantiu até aqui o invejado primeiro lugar nas pesquisas eleitorais.

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Comemorando o cumprimento da meta de 11,1 milhões de famílias atendidas pelo Bolsa Família, o mais eleitoreiro dos programas assistenciais de seu governo, o presidente declarou literalmente: ?Seria tão mais fácil a gente governar se tivéssemos que cuidar só dos pobres. Os pobres não dão trabalho, por isso por muito tempo ficaram esquecidos… O pobre quer apenas um pouco de pão, enquanto o rico, muitas vezes, quando encosta na gente, quer um bilhão?.

A declaração de Lula, à semelhança de tantas outras do mesmo jaez, deve ter alcançado espetacular repercussão nos longínquos rincões habitados por milhões de brasileiros que, diga-se a bem da verdade, depois de décadas de abandono passaram a ter um pouco de comida nas panelas de barro. Méritos para o presidente e toda a compreensão possível a seus arroubos messiânicos, embora nos ordene o compromisso com a realidade mais ampla da vida nacional, reclamar do chefe do governo uma postura coerente com a urgência de muitos desafios que ficaram emaranhados à galhada burocrática do aparelho de estado, ou foram simplesmente ignorados por absoluta falta de descortino político-administrativo.

Sem qualquer intenção de desmerecer o avanço social do governo, seria oportuno rememorar o formidável lucro dos bancos durante os três primeiros anos do atual governo, para simples comparação com o Bolsa Família, cujo auxílio financeiro passou a substituir o emprego e o aumento da renda familiar advinda, preferencialmente, do salário justo.

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Durante o governo Lula os bancos brasileiros tiveram lucro maior que o contabilizado por instituições congêneres dos Estados Unidos, destarte, tirando enorme lasca de veracidade da versão edulcorada sobre a virtude de governar pensando nos pobres. Enquanto os bancos norte-americanos se contentaram com a taxa média de rentabilidade de 14,6%, em 2003 os brasileiros abocanharam 17%, para se extasiar com o recorde histórico obtido no ano seguinte (22,7%) do total dos ganhos das empresas de capital aberto (R$ 79,3 bilhões). Para não interromper a sacrificante escalada, os bancos brasileiros repetiram a dose em 2005: R$ 28,3 bilhões de lucro, ou 36% a mais que a cifra do ano anterior.

O Bolsa Família distribuiu em três anos cerca de R$ 23,9 bilhões para famílias com renda mensal não superior a R$ 120, período em que os maiores bancos do País tiveram lucro três vezes maior, mostrando que as coisas nem sempre têm a aparência a elas atribuída.

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É pertinente associar o desvelo de Lula com os pobres à escolha do novo tesoureiro da campanha petista, prefeito José de Filippi Júnior, de Diadema, município da Grande São Paulo, por seu trânsito fácil entre empresários. A preocupação, mesmo encapada do mais puro maquiavelismo, tem razão de ser, pois quem faz doação é empresário, ao passo que ?pobre só quer um pedaço de pão?. Nessa lógica ambígua, até o enfoque de Lula sobre os ricos que encostam para pedir uma bolada pode sofrer total inversão: quem encosta e pede dinheiro sem nenhum pejo são os candidatos, usando para isso colaboradores de boa conversa e fino trato.