Planejamento: a difícil relação entre teoria e prática

A atividade de planejar sempre fez parte do cotidiano das pessoas, mas a sistematização do planejamento surgiu na primeira e segunda Revoluções Industriais e com o advento da ciência da Administração, no final do século XIX, que teve a participação de Taylor (1856-1915) e de Fayol (1841-1925). Taylor divulgou a necessidade de separar a tarefa de planejar da tarefa de executar. Taylor fortalece a prática da antiga Grécia de que uns concebem (os homens livres) e outros executam (os escravos) e deixa livre o campo para o planejamento tecnocrático no qual o poder de decisão e controle permanece nas mãos dos técnicos, políticos especialistas, não do agente. (Vasconcelos, 1999)

A partir do século XX, o planejamento provocou impacto na União Soviética pela planificação de toda sua economia. Atualmente existem três grandes linhas de planejamento administrativo: o gerenciamento da qualidade total, o planejamento estratégico e o planejamento participativo. Na escola também existem três grandes concepções que se manifestaram na história do planejamento: o planejamento como princípio prático, que se relaciona com a tendência tradicional de educação; o planejamento instrumental/normativo, que se manifestou no Brasil no final da década de 60 com tendência tecnicista e positivista, e o planejamento participativo, cujo objetivo é a transformação das relações de poder, autoritárias e verticais, em relações igualitárias e horizontais, de caráter dialógico e democrático.

Atualmente o descontentamento caracteriza o meio docente quanto ao planejamento porque não está ligado à pratica cotidiana. Existe também o fato do professor estar alienado, estranho a si mesmo e ao mundo quanto ao seu trabalho educacional. Vive em situação de não clareza quanto à finalidade daquilo que faz, a favor de quem, contra quem, que tipo de homem e de sociedade deve formar. Tem falta de clareza da sua ação específica em sala de aula. Ele não domina seu trabalho, como o artesão dominava todo o processo de produção antigamente, e tem que cumpri-lo de modo imposto. Isto é prerrogativa do capitalismo. Tal contradição tem raízes no pensamento grego na fase pré-socrática. Heráclito defendia a cosmovisão em constante vir-a-ser. Parmênides defendia a estabilidade das coisas e esta influência vigorou no pensamento até os dias de hoje O núcleo do problema do planejamento é composto de: idealismo, que valoriza idéias em detrimento da prática; formalismo, que tira o sentido da ação do sujeito; e a não-participação, pelo dispositivo do disciplinamento. (Vasconcelos, 1999)

Em alguns locais, no entanto, as escolas têm conseguido trabalhar de modo participativo. José Clóvis de Azevedo (2000) relata uma experiência realizada em Porto Alegre. A Administração Popular, um dos desdobramentos da Secretaria Municipal de Educação, realizou um projeto de Gestão Democrática e Qualidade de Ensino para que todas “as ações se articulassem com o Planejamento Participativo que possibilita o envolvimento de todos os sujeitos do processo educacional, nas deliberações e na execução do fazer político-pedagógico”. (Azevedo, 2000)

Compreendendo que a participação é processo porque se constrói participando, foram estabelecidas ações voltadas para a melhoria da qualidade de ensino porque “não se pode, por exemplo, falar em respeito à vivência e à experiência do educando como ponto de partida para recriar e produzir conhecimento, se não existem espaços para expressão desta vivência e desta experiência”. (Azevedo, 2000)

Na mesma linha de reflexão, Paulo Freire oferece pistas para os professores que se sentem constrangidos porque uns programam e outros executam. A passividade não resolve, nem a descrença, nem o desânimo. Em primeiro lugar o autor combate a concepção ingênua da pedagogia que se crê alavanca da transformação social e política. Ele reconhece a educação como ato de conhecimento e de conscientização, mas que por si só não leva uma sociedade a se libertar da opressão. Assim como ele revolucionou a educação oferecendo um novo conteúdo programático na alfabetização de adultos dialogando a partir das situações concretas, os professores também podem revolucionar a educação passando a ensinar a partir do universo dos alunos. Isso não substitui a união que os professores devem ter para conseguir conquistar a melhoria da qualidade do seu trabalho, nem aproxima a distância teoria-prática de certos planejamentos, mas tem uma força grande: é a força da conscientização.

Indicações de leitura: Paulo Freire. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Celso dos S. Vasconcellos. Planejamento: Projeto de ensino-aprendizagem e projeto político-pedagógico. São Paulo: Libertad (Cadernos Pedagógicos do Libertad, v. 1); José Clóvis Azevedo. Escola cidadã, mercoescola e a reconversão cultural. In: Márcia Ondina Vieira Ferreira; Alfredo Alejandro Gugliano. Fragmentos da globalização na educação. Porto Alegre: Artes Médicas.

Jorge Antonio de Queiroz e Silva

é professor, pesquisador, historiador, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (
queirozhistoria@terra.com.br).

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo