A Petrobras já começou a dar sinais de que a farra do gás chegou ao fim. Depois de passar quase uma década crescendo a uma taxa média de 20% ao ano, o mercado de gás natural ultrapassou a capacidade de fornecimento do País. Para frear o consumo, os preços devem passar a acompanhar mais de perto a cotação do principal concorrente, o óleo combustível, diminuindo o ímpeto das indústrias pela conversão dos equipamentos.
"Não será surpresa se algumas indústrias deixarem de usar o gás" afirmou, em palestra na semana passada, o gerente de Comercialização de Gás da estatal, Rogério Manso. A afirmação foi feita logo após uma exposição para executivos sobre a nova política de preços para o combustível, que prevê a indexação do gás produzido no Brasil ao mercado internacional, como já ocorre com o produto importado da Bolívia. Os novos termos começam a ser negociados com as distribuidoras ainda este ano.
A direção da empresa evita falar diretamente em aumento de preços. Mas não esconde que o gás terá de adaptar-se a uma "nova realidade" de altos investimentos a custos cada vez maiores, que servirão para ampliar a oferta nacional.
Estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia, no entanto, confirma as previsões de alta e projeta um preço de gás, para os próximos anos, a 85% do valor de venda do óleo combustível. Hoje, essa relação está em 56%.
O estudo foi apresentado pelo presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, após a palestra de Manso na Rio Oil & Gas, feira realizada na semana passada. Quem ouviu os dois viu sinais de que, ante a escassez do combustível, o governo pretende reduzir as vantagens em relação aos concorrentes para desestimular o uso meramente econômico – de substituição de um combustível mais caro -, resguardando o gás para setores em que serve de matéria-prima, como a indústria química, ou para geração elétrica.
"O preço já vem subindo desde que a Petrobras parou de represar o gás boliviano", afirma o diretor da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace), Luiz Antônio Veiga Mesquita.
Em meados do ano passado, a estatal anunciou o fim dos descontos que concedia ao preço do gás boliviano desde janeiro de 2003. A partir de então, seu valor de venda passou a oscilar, com reajustes trimestrais, segundo o mercado internacional de petróleo. Em outubro, a alta deve chegar a 5%.
Os descontos faziam parte do plano de massificação do gás natural, cujo objetivo era encher o Gasoduto Brasil-Bolívia (Gasbol), então operando com ociosidade. Os baixos preços levaram a uma corrida de indústrias e motoristas para conversão para o novo combustível. Com a crise boliviana e a frustração das expectativas sobre a Bacia de Santos, parece ter chegado a hora de pisar no freio.
Segundo dados da Associação Brasileira de Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), a estratégia já vem surtindo efeito. No primeiro semestre deste ano, o consumo cresceu apenas 6,5% e deve fechar o ano abaixo dos 13%. Todas as projeções apontam para um ritmo de crescimento menor, na casa dos 10% para os próximos anos.
A Petrobras, por sua vez, garante um crescimento de 11% na oferta até 2011. "Muitas empresas converteram os equipamentos para aproveitar os descontos que a Petrobras dava", diz o vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Saturnino Sérgio da Silva. "Mas a sucessão de más notícias jogou água fria e já há projetos suspensos."
Silva admite que a indústria terá de se preparar para um cenário energético de preços cada vez mais altos. "É um problema global." Ele pede, no entanto, regras claras para os reajustes de preços.