O Partido dos Trabalhadores em seu Programa de Governo (Concepção e Diretrizes para o Brasil 2002) expõe que a implementação do programa de governo do PT para o Brasil, que é de caráter democrático e popular, representará uma ruptura com o atual modelo econômico. Isto porque o atual modelo está fundado na abertura e na desregulamentação radicais da economia nacional e na conseqüente subordinação de sua dinâmica aos interesses do capital financeiro globalizado. Por isso será preciso, primeiro, romper com o conformismo fatalista pretensamente pragmático que sonega direitos básicos da população e, segundo, resgatar os valores éticos que inspiraram e inspiram as lutas da população pela justiça social e pela liberdade. Segue o programa a justificar a ruptura em decorrência das profundas desigualdades econômicas, sociais e políticas, e na situação periférica do país no contexto internacional.

Historicamente, narra que o período desenvolvimentista, década de 30, propiciou altas taxas de crescimento econômico, uma relevante estrutura industrial e a integração de um mercado interno de porte considerável. Porém, simultaneamente, acarretou o aumento da concentração de renda, da terra e da riqueza, uma acelerada degradação ambiental, a consolidação da posição estratégica do capital estrangeiro na economia brasileira e o aprofundamento das disparidades regionais.

Até a década de 80, o Estado, aproveitando-se dos impasses econômicos e de conjunturas internacionais favoráveis, comandou os vários processos de “fuga para frente”, reiterando ou aprofundando a dependência externa.

Por sua vez, a década de 90 surge como uma reação de inspiração neoliberal, ou seja, o ideal do mercado auto-regulador, tendente a submeter a vidas das pessoas à lógica do mercado, induzindo, desta forma, a figura do Estado mínimo. O qual se concentrava na criação de espaços de expansão e lucratividade para as atividades privadas e na preservação das condições de reprodução do capital financeiro globalizado. Em particular, o ideário neoliberal produziu um enorme descaso pelo social, agravando o nível de concentração de renda e ampliando a exclusão social. Assim como a implantação do programa de privatizações provocou uma elevação nos preços relativos de bens públicos importantes, como energia elétrica, telefonia e transportes. Em razão dos aumentos, esses bens passaram a pesar mais na renda de amplas camadas da população.

Uma característica elementar do modelo implantado nos anos noventa diz respeito à dependência e à vulnerabilidade externas da economia brasileira. As políticas de abertura comercial e financeira sem reciprocidades, iniciadas pela administração de Fernando Collor de Mello e radicalizadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso, cujos efeitos foram ampliados pela sobrevalorização da taxa de câmbio no período de 1994/1998, agravaram extraordinariamente a dependência da economia nacional ao capital estrangeiro. Nesse contexto, a estabilidade de preços – única prioridade do governo de Fernando Henrique Cardoso – foi alcançado com sacrifício de outros objetivos relevantes, como o crescimento econômico, o nível de emprego, a solidez das finanças públicas e das contas externas.

No plano internacional, diante das debilidades do Mercosul, uma questão essencial é a proposta dos Estados Unidos de conformação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Este novo mercado proposto compreende a desregulamentação dos fluxos de capital, a proteção a investimentos estrangeiros, a abertura dos serviços – inclusive nas áreas de cultura e comunicação – e das compras governamentais ao capital estrangeiro, além da regulamentação da propriedade intelectual. Ficaram de fora da proposta inicial, o mercado de trabalho e o acesso às tecnologias monopolizadas pelas corporações e pelo Estado norte-americano, em suma, o que, por certo, seria justo e útil ao desenvolvimento do Brasil.

Diante das conclusões históricas do referido documento, não restam dúvidas de que a inserção de um novo modelo, através de um governo democrático e popular precisará operar uma definitiva mudança de rumos com o modelo existente, estabelecendo as bases para a implementação de um modelo de desenvolvimento que considere não só o econômico, mas também e, principalmente, o social. Tal projeto deverá incorporar o combate à dependência externa e a defesa da autonomia nacional, tendo como foco o social, ou seja, o desenvolvimento sustentável incorporará em sua própria dinâmica interna a distribuição de renda e de riqueza, a geração de emprego, a inclusão social e o uso dos recursos naturais com sustentabilidade.

A inserção soberana no mundo e a recuperação dos espaços de autonomia na gestão da economia nacional implicam desenvolver políticas dirigidas a reduzir de modo significativo a dependência e a vulnerabilidade externas. Essas políticas envolvem seis enfoques: a)recuperação do saldo comercial e a redução do déficit na conta de serviços do balanço de pagamentos, objetivando-se com isso a diminuição acentuada do déficit em transações correntes; b)correção dos desequilíbrios decorrentes da abertura comercial, através da revisão da estrutura tarifária e da criação de proteção não tarifária, amparada pelos mecanismos de salvaguarda da OMC (Organização Mundial do Comércio), para atividades consideradas estratégicas; c)adequação da política relativa ao capital estrangeiro às diretrizes e às prioridades do novo modelo econômico – é essencial que o capital estrangeiro se vincule à criação de capacidade produtiva adicional e compense o aumento da remessa de lucros, dividendos e royalties com seu impacto positivo sobre o saldo comercial; d)regulamentação do processo de abertura do setor financeiro; e)denuncia ao acordo atual como o FMI, para liberar a política econômica das restrições impostas ao crescimento e à defesa comercial do país; e, f)consolidação da vocação da multilateralidade do comércio exterior brasileiro mediante políticas direcionadas à diversificação de mercados, ao fortalecimento e ampliação do Mercosul e à retomada do projeto de verdadeira integração latino-americana, ao estabelecimento de programas de cooperação econômica e tecnológica com potências emergentes como a Índia, a China e África do Sul.

Quanto à Alca, a inserção soberana do Brasil no mundo exigirá esforços no sentido de aprofundar e aperfeiçoar as relações comerciais bilaterais do País com os Estados Unidos e com a União Européia. Assim as relações internacionais brasileiras não devem ser entregues à lógica dos mercados desregulados ou ao mando imperial levado a cabo pelas instituições da globalização neoliberal.

Portanto, o presidente eleito e o seu partido são favoráveis ao livre comércio, desde que os países possam competir em igualdade de condições. Nesse sentido, é preciso resgatar os ideários do Mercosul quando de sua constituição, assim como fortalecê-lo e, a partir dele, negociar a integração mais ampla das Américas. Para o novo modelo, a saída por acordos bilaterais, em confronto com um entendimento regional, será usada como última opção, pretende-se, sim, negociação não com o Brasil, ou com a Argentina, ou com o Paraguai, ou com o Uruguai, mas com o Mercosul.

Patrícia Carvalho é especialista em Direito Tributário e advogada em Curitiba.

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