Perspectiva para uma tutela jurisdicional rápida e efetiva

I. Efetividade da tutela jurisdicional

A tendência atual é buscar fórmulas ágeis para a solução dos conflitos de interesses submetidos à intervenção do órgão jurisdicional. Com este desiderato converge toda comunidade jurídica. Admitem esta necessidade até mesmo os que patrocinam interesse daquele que poderia tirar alguma vantagem da morosidade do desfecho final do processo.

Padrões obsoletos e formalismo exagerado de outrora, contudo, sentem-se acuados frente à marcha pelo ideal de uma justiça rápida e efetiva. Já não basta um pronunciamento célere do Judiciário às causas que lhe são submetidas à decisão, como quis o constituinte derivado elegendo como direito e garantia fundamental a razoável duração do processo(1). Além de rápida, a prestação jurisdicional reclamada deve ser efetiva, porque nada adianta o velocista chegar em primeiro lugar se a medalha que tanto anseia lhe custa chegar às mãos.

Com este propósito vieram as primeiras reformas a partir do ano de 1994, alterando o sistema processual de 1973. Ressalte-se, para destaque, a introdução do instituto geral da antecipação dos efeitos da tutela (Lei n.º 8.952/94); a célere sistemática de processamento do recurso de agravo de instrumento (Lei n.º 9.139/95); a ação de consignação em pagamento, liberando o devedor ou terceiro da obrigação de pagar quantia em dinheiro com o simples depósito em agência bancária (Lei n.º 8.951/94); a introdução da ação monitória (Lei n.º 9.079/95), a par da ampliação do elenco dos títulos executivos extrajudiciais, conforme incisos I e II, do art. 585 (Lei n.º 8.953/95), e a força executiva lato sensu da sentença proferida em ação que tenha por objeto específico o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (Lei n.º 8.952/94), unindo num só processo a fase de cognição e de execução do comando sentencial.

Como o tema efetividade da tutela jurisdicional deve obedecer a uma via de mão dupla, possibilitou-se ao relator, incontinenti, negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunais Superiores (Lei n.º 9.756/98), como também, a requerimento do agravante, nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara (Lei n.º 9.139/95).

Após um período de espera para adaptação, a partir do ano de 2001, novo ciclo de reforma foi introduzido, sendo de se registrar os casos de limitação do recurso necessário; converter o recurso de agravo de instrumento em agravo retido; atribuir efeito suspensivo ao recurso de agravo de instrumento, ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, interrompendo o uso anômalo, para ao mesmo fim, de ação cautelar inominada ou ação de mandado de segurança, conforme o caso; a possibilidade do relator, liminarmente, negar seguimento ao recurso de agravo de instrumento (Lei n.º 10.352/2001); a inclusão no rol dos títulos executivo judiciais da sentença arbitral, cuja força executiva independe de homologação do órgão jurisdicional, albergando o art. 18, da Lei n.º 9.307/96; (Lei n.º 10.358/2001); e, por fim, a Lei n.º 10.444/2002, trazendo relevantes alterações, sendo de se destacar a fungibilidade permitida entre providências de antecipação de tutela e medida cautelar incidental; a possibilidade de alienação de bens penhorados em execução provisória de sentença, prestada a devida caução e a atribuição de força executiva lato senso também à sentença condenatória de entrega de coisa.

Recentemente veio a lume a Lei n.º 11.187, de 19 de outubro de 2005, publicada no DOU em 20.10.2005, cuja vigência só ocorrerá a partir de 20.01.2006, respeitada a vacatio legis de 90 (noventa) dias, dispondo que o agravo retido passa ser a regra; o de instrumento exceção, eis que somente admitido nesta modalidade se se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida. A conversão do agravo de instrumento em retido deixa de ser faculdade do relator. A essência da novatio legis é a de desafogar os Tribunais com a interposição de recurso que ataca decisão interlocutória sem prejuízo imediato ao recorrente. O agravo de instrumento fica resguardado somente para os casos em que o recorrente demonstre, de plano, lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida.

Tudo que inova é visto com preocupação. Mas o tempo, e somente ele, descortina uma realidade que só não enxergava aquele que se faz cego.

II. Momento atual.

Para ver seu direito declarado e reconhecido, a parte autora enfrenta todo o contraditório e se submete aos sucessivos recursos da parte ex adversa, para, ao final, obter a prestação jurisdicional definitiva. Recebe então ele o bem da vida a que tem direito? Ledo engano. Novo caminho se lhe abre estafante, entediante porque o título que lhe confere o direito não se reveste de efetividade imediata. Haverá então de invocar novamente a tutela jurisdicional através de um processo autônomo de execução forçada, efetuando nova citação, sujeitando-se ao contraditório dos embargos do executado, embora a defesa seja restrita a certa matéria (CPC, art. 741) e outros sucessivos recursos, para, ao final, vir um novo provimento jurisdicional autenticando o direito anteriormente reconhecido. Passe então a fase satisfativa da execução, quando o executado ainda se serve de vários expedientes procrastinatórios, sendo de citar os embargos à arrematação ou à adjudicação, o que torna um processo sem fim, como diz Carlos Alberto Carmona.

O tecnicismo da dualidade processual entre conhecimento e execução há muito vem sendo combatido. A tendência a unificar as fases cognitiva e executiva.

III. O processo sincrético. Junção de fases: cognitiva e executiva.

Visualizando esta tendência, pronuncia-se o Ministro Márcio Thomaz Bastos, autor da exposição de motivos do Projeto de Lei n.º 3.253/2004, que visa alterar o Livro II, do atual Código Processo Civil, citando o posicionamento de vários doutrinadores(2).

Lopes da Costa asseverava que a intervenção do juiz não é somente para restabelecer o império da lei, mas para satisfazer o direito subjetivo material (Direito processual civil brasileiro, 2.ª ed. v. I, n.º 72). O ideal, portanto, é que o processo civil não só reconheça o titular do direito substancial, mas que efetive, imediatamente, este direito.

A velha tendência, dizia Couture, citado por Humberto Theodoro, de restringir a jurisdição ao processo de conhecimento é hoje idéia do passado, de sorte que a verdade por todos aceita é a da completa e indispensável integração das atividades cognitivas e executivas. Conhecimento e declaração sem execução é academia e não processo (apud Humberto Theodoro, A execução de sentença e a garantia do devido processo legal, ed. Aide, 1987, p. 74).

O processo civil brasileiro sofre as primeiras alterações neste sentido, quando se possibilitou a junção de fases cognitiva e executiva tratando-se de ação que tenha por objeto específico o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (CPC, art. 461, alterado pela Lei n.º 8.952/94). No ano de 2002, esta unificação de fases estende-se à ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de entregar coisa (CPC, art. 461-A, introduzido pela lei n.º 10.444/02).

Em verdade, o ordenamento jurídico já previa o processo misto para algumas espécies de ação, cuja sentença revela força executiva lato sensu, servindo de exemplo a ação de despejo, haja vista que, rescindido o contrato de locação e decretado o despejo, com o trânsito em julgado do decisum, expede-se, incontinenti, mandado para efetivação da desocupação; o mesmo ocorre com a ação de reintegração de posse, concedida liminarmente ou sendo procedente o provimento final, expede-se o mandado de imissão de posse. Em ambos os casos exemplificados, dispensa-se um processo autônomo de execução de sentença. A ação monitória também unifica num só processo as fases cognitiva e executiva, na medida em que, estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá de plano a expedição de mandado de pagamento ou de entrega de coisa no prazo de 15 dias (CPC, art. 1.102b).

Com as reformas introduzidas pelas Leis n.ºs 8.952/94 e 10.444/02 o legislador apenas generalizou o força executiva do comando sentencial para todas as espécies de ações cujos objetos específicos sejam o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer ou de obrigação de entrega de coisa.

Por que não conceder a mesma força executiva à sentença que julgue a ação que tenha por objeto o cumprimento de condenação de pagar certa quantia?

IV. A execução da sentença condenatória ao pagamento de prestação pecuniária. Perspectivas: Projeto de Lei n.º 3.253/2004

Nesta perspectiva e motivadamente sensibilizado, o Poder Executivo propõe no ano de 2004 um Projeto de Lei, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual IBDP, alterando a Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973 Código de Processo Civil.

O Projeto de Lei foi aprovado na Câmara dos Deputados e levou o número 3.253/2004, atualmente encontra-se no Senado, sob n.º 52/2004. Algumas emendas de mérito foram apresentadas pelos Senadores Arthur Vigílio e Antero Paes de Barros, inclusive foi aprovado o requerimento do Senador Arthur Vigílio para realização de audiência pública, na qual serão ouvidos juristas.

Restrito ao assunto, passa-se então a apresentar as pretensas alterações no que diz respeito ao cumprimento da sentença condenatória ao pagamento de certa quantia(3).

Contempla o assunto o art. 3.º do Projeto de Lei, com a seguinte redação:

Art. 3.º Ao Título VIII do Livro I, acrescente-se o Capítulo X, sob a epígrafe ?Do Cumprimento da Sentença?, com os seguintes artigos:

?Art. 475-I. O cumprimento da sentença far-se-á conforme os artigos 461 e 461-A ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução, nos termos dos artigos subseqüentes.

§ 1.º É definitiva a execução da sentença transitada em julgado; é provisória quando se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo.

§ 2.º Quando na sentença houver uma parte líquida e outra ilíquida, ao credor é lícito promover simultaneamente a execução daquela e, em autos apartados, a liquidação desta.?(NR)

Os dois parágrafos mantêm semelhante redação com os atuais arts. 587 e § 2.º, do art. 586, respectivamente, excluindo apenas referência ao título executivo extrajudicial. A inovação vem no art. 475-J, com a seguinte redação:

?Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue diretamente ao credor no prazo fixado na sentença, não superior a quinze (15) dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento (10%) e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

Este dispositivo suprime a duplicidade de procedimento, caso o projeto de lei venha a ser aprovado.

Assim, tal como já previsto para as ações que tenham por objeto específico o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer e de entrega de coisa, também a sentença condenatória de quantia certa terá eficácia executiva lato senso, unificando, portanto, as fases cognitivas e executivas.

Não cumprindo o demandado, voluntariamente, a obrigação de pagar certa quantia determinada na sentença, no prazo fixado, por simples requerimento do credor informando tal fato, acompanhado da memória discriminada de atualização do débito, conforme exigência do atual art. 614, II, do CPC, o Juiz expede-se mandado de penhora e avaliação, fixando ainda multa de 10% do montante da condenação.

Não se instaura, desta forma, o processo autônomo de execução da sentença cível condenatória, eliminando também a faculdade conferida ao executado de nomear bens, transferindo ao credor esta possibilidade(4).

Em continuidade, lavrado o auto de penhora, que também deverá conter a estimativa do bem penhorado, como ocorre no executivo fiscal (Lei n.º 6.830/80, art. 7.º, V), dele será intimado o devedor na pessoa de seu advogado ou representante legal, por mandado ou pelo correio, tendo o demando o prazo de 15 dias para oferecer ?impugnação?, conforme redação dos § 1.º, do art. 475-J.

A matéria de impugnação mantém-se restrita, conforme vem disciplinado no art. 475-L, com a seguinte redação:

?Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre:

I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;

II – penhora incorreta ou avaliação errônea;

III – ilegitimidade das partes;

IV – excesso de execução;

V – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença;

VI – ser a sentença fundada em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em ação direta de inconstitucionalidade ou em argüição de descumprimento de preceito fundamental.

Parágrafo único. Quando o executado alegar que o exeqüente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação.?(NR)

O oferecimento da impugnação não suspenderá os atos tendentes ao cumprimento da sentença, como hoje ocorre com a interposição dos embargos, a não ser que haja relevantes fundamentos e manifesta possibilidade da execução causar grave dano de difícil ou incerta reparação, caso em que, o juiz poderá atribuir efeito suspensivo, conforme art. 475-M, do Projeto de Lei.

Deferido o efeito suspensivo, a impugnação será instruída e decidida nos próprios autos de execução, caso contrário tramitará em autos apartados, em apenso (art. 475-M, § 2.º).

Mesmo atribuindo efeito suspensivo, se o exeqüente prestar caução idônea, o cumprimento da sentença até final satisfação do credor seguirá normalmente seu curso (art. 475-M, § 1.º).

A decisão proferida na impugnação será atacável mediante agravo de instrumento, a não ser que importe em extinção da execução, conforme o § 3.º, do art. 475-M.

O cumprimento provisório da sentença condenatória será possível e correrá por conta e risco do executado (art. 475-O), nos moldes do que já está previsto no atual art. 588, do CPC.

Tratando-se de execução provisória, o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de domínio ou dos quais possa resultar grave dano ao executado, de regra, dependerão de prestação de caução, contudo, será dispensada se o exeqüente demonstrar situação de necessidade, nos casos de crédito de natureza alimentar, sem a limitação imposta hoje pelo art. 588, § 2.º.

Também será dispensada a caução na pendência de agravo de instrumento interposto perante o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça, quando não admitido de recurso extraordinário ou especial (art. 475-O, V).

No que tange à execução por quantia certa, representada em título extrajudicial, também há Projeto de Lei prevendo alteração. O Projeto de Lei é de n.º 4.497/2004, de iniciativa do IBDP Instituto Brasileiro de Direito Processual, já aprovado pela CCJ da Câmara dos Deputados, com apenas duas emendas. Seus dispositivos serão aplicados subsidiariamente, no que couber, ao cumprimento da sentença, conforme art. 475-R, do Projeto de Lei n.º 3.253/04.

Noutra oportunidade far-se-á ligeiras apresentações do Projeto de Lei n.º 4.497/2004 que tem por escopo alterar, significativamente, vários dispositivos do atual Código de Processo Civil, principalmente o Livro II, acerca da execução por quantia certa fundada em título extrajudicial.

Assim, com as alterações propostas, o cumprimento da sentença cível condenatória tende a ser tornar mais célere, na medida em que elimina a necessidade de instauração de uma nova demanda (ação de execução autônoma); suprime também a fase de nomeação de bens e avaliação e, ainda, eventual impugnação ao direito do credor não terá, de regra, efeito suspensivo. O recurso do executado, caso improcedente sua impugnação será o de agravo, que também não terá efeito suspensivo.

Sem dúvida que o escopo é agilizar e, de fato, realizar o direito material reconhecido ao exeqüente em título judicial.

Pelo que se vê, a partir das alterações propostas, prolatada a sentença cível condenatória ao pagamento de certa quantia, o juiz cumpre uma parte do ofício jurisdicional, mas não o encerra. Deverá ainda tornar efetiva sua decisão, como atualmente se dá com a sentença que condena ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer e de entrega de coisa. Para possibilitar esta real efetividade, já que a prestação devida ao credor é dinheiro, poderá, dentre outras medidas, determinar a indisponibilidade de ativos em nome do executado, requisitando à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, bloqueio de numerários quantos sejam necessários, até o valor indicado na execução, conforme previsão do art. 655-A.

O debate, a crítica e sugestões ainda são possíveis. O que se espera é que a iniciativa de alteração do Livro II, do atual sistema processual civil, realmente ocorra, arregimentando adeptos que tenham o propósito sincero de contribuir com a celeridade e real efetividade da prestação jurisdicional.

Notas

(1) CF, art 5.º LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

(2) BASTOS, Marcio Thomaz, Reforma infraconstitucional do processo civil IBDP, v. IV, set./2005, pp. 18/22.

(3) Vide anexo I contendo o inteiro teor do Projeto de Lei n.º 3.253/2044.

(4) Art. 475-J, § 3.º – O exeqüente poderá, sem seu requerimento, indicar desde logo os bens a serem penhorados.

Claudionor Siqueira Benite é advogado em Jacarezinho PR. Mestre em ciência jurídica, professor da Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro e Faculdades Integradas de Ourinhos FIO.

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