Diz-se que raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Mas, no caso da tragédia do Airbus da TAM, a tragédia pode se repetir. A informação ou trágico vaticínio parte de dois pesquisadores habilitados e de respeito: o inglês Peter Ladkin, professor de computação na Universidade de Bielefeld, na Alemanha, e o norte-americano Kenneth Funk 2.º, professor de engenharia na Universidade do Oregon, EUA. Ambos são analistas especializados e asseguram que tudo pode acontecer de novo se o aeroporto não sofrer mudanças. E apontam a principal mudança necessária: a construção de áreas de escape.
No último dia 17, o Airbus A320 da TAM, com 187 pessoas a bordo, perdeu o controle ao tentar pousar na pista principal daquele que é o principal aeroporto do País, embora seja um dos de pistas mais curtas e dos mais congestionados. O resultado foi os bombeiros retirarem 199 sacolas com restos mortais de vítimas. Muitas não foram ainda reconhecidas, nem mesmo com o uso de sofisticados métodos científicos. Ainda se discutem as causas do acidente e, com base nas caixas-pretas da aeronave, se busca esclarecer a charada sobre se foi falha de equipamento, falha humana, pista curta, pista escorregadia e outras causas que tudo evidencia foram, em conjunto, responsáveis pela tragédia. Descobrir as causas importa, mas importa muito mais evitar novos riscos e os dois especialistas estrangeiros já deixaram claro que sem áreas de escape, ou seja, espaços extras para, numa emergência, os aviões poderem parar, tudo pode acontecer de novo.
A Aeronáutica acaba de listar 215 obstáculos que, pela altura, colocariam em risco pousos e decolagens nos três aeroportos da Região Metropolitana de São Paulo – Congonhas, Cumbica e Campo de Marte. Duzentos e quinze só na capital paulista. Se forem levantados os obstáculos e problemas de outros aeroportos do País, chegaremos a milhares, o que evidencia o descaso com que se tem tratado da segurança dos vôos e os necessários cuidados com a vida dos passageiros.
Os 215 obstáculos apontados pela Aeronáutica estão numa lista publicada no Diário Oficial da União e se centra em perigos em razão da sua altura na trajetória ascendente ou descendente dos aviões. O rol de perigos tem problemas. Há casos em que a própria Aeronáutica tinha autorizado obras onde e em altura nada recomendável. Em outros, prédios vizinhos muito mais altos não estão na relação, aprovada no dia 5 de julho, mas publicada somente no dia 24, uma semana depois do desastre com o avião da TAM.
A Aeronáutica não soube precisar que tipo de perigo os obstáculos relacionados podem apresentar aos vôos. Entre as construções irregulares e perigosas está um hotel de onze andares na rota de aproximação da pista principal de Congonhas. A Prefeitura de São Paulo já deu início ao processo que objetiva a demolição do edifício, pertencente a um dono de boate, ou melhor, casa de tolerância de luxo para cujos freqüentadores o hotel iria servir de ponto de encontro. O dono do hotel declarou que vai à Justiça para procurar impedir a demolição e apresentou documentos, inclusive da própria Aeronáutica, que autorizaram a obra. Na lista, o prédio aparece com 2,65 metros acima do permitido. O setor de comunicação social da Aeronáutica disse que é apenas 0,5 metro e não explicou por que liberou a construção.
Somente em Congonhas há 29 obstáculos dentro do próprio aeroporto, dentre eles dois ?fingers?, aqueles equipamentos que servem para que os passageiros saiam das aeronaves e alcancem o terminal. Árvores, antenas, refletores, enfim, há uma porção de coisas pondo em risco os pousos e decolagens dos aviões.
Mas, como disse o presidente Lula, o sistema aéreo vivia como cachorro sem dono. Como todo mundo mandava, ninguém o alimentava ou dele cuidava. Nessa matilha só uma coisa é certa. O cachorro grande, o chefe da matilha, é o governo. E o chefe do governo, o próprio presidente da República, a autoridade máxima sob a qual agem ou deixam de agir desde ministros até presidentes e diretores de uma estrutura plural de comandos que nem sabiam com exatidão quais eram seus poderes, funções e obrigações. Não é de se admirar que o presidente Lula tenha dito que tem medo de avião. Numa balbúrdia dessas, quem não tem?