Se não for apenas para capitalizar alguns pontos em torno de sua imagem pessoal, o presidente do STJ – Superior Tribunal de Justiça, ministro Edson Vidigal, está abrindo outra temporada de discussões profundas sobre a justiça brasileira. E tomara que suas idéias vençam a parada. Conhecendo como conhece o poder e seus agentes, ele disse, simplesmente – ver nossa edição de domingo -, ter “pena de quem vai depender, no Brasil, de ter os seus direitos reconhecidos por uma decisão judicial. Demora pra caramba”.
Ai de nós. Assim como se diz genericamente de médicos, tem sorte grande quem não depender de decisão judicial. Mas, em tese, todos dela dependem direta ou indiretamente. Justiça ágil e íntegra é um esteio imprescindível à sustentação das democracias de verdade. Assim como o ar para os pulmões de qualquer ser vivo. Mas, de acordo com o ministro, “essa justiça que está sendo feita é uma justiça muito injusta”.
O jogo de palavras não acontece ao acaso. Tem a ver com a realidade nua e crua dos brasileiros, já mais ou menos descrita por um levantamento nacional realizado e imediatamente anatematizado por uma parte do Judiciário, sempre muito vigilante em defesa de seu próprio umbigo. Segundo esse levantamento, aqui está uma das justiças mais preguiçosas, embora mais bem pagas, do planeta. O presidente do STJ, ao contrário dos que procuraram empurrar os documentos para dentro de alguma gaveta, defende a necessidade de se criar um clima de indignação no País, mesmo naquelas pessoas que ainda não têm ou não experimentaram uma demanda judicial. É uma boa idéia. Só assim, quem sabe, acontecerão mudanças.
“Eu sei – disse – que tem magistrado por aí que anda aborrecido comigo, porque eu falo essas coisas.” Mas, segundo insistiu sem meias-palavras, “é preciso que a gente continue batendo nessa coisa da morosidade, porque isso há de ser uma bandeira comum de todo o povo brasileiro”. Quem dera! A justiça pode ser cega, mas não muda, nem maneta nem perneta.
Do jeito que fala, o ministro está a dar razão, ainda que um pouco tardia, para o presidente Lula em sua primeira trombada com a toga tupiniquim. Há cerca de um ano atrás, o presidente da República aconselhou abrir a “caixa-preta” do Judiciário. Muita gente torceu o nariz. Lula e o então presidente do Supremo Tribunal Federal ficaram de mal, sem se falar, inclusive em público.
Recentemente, o caso dos inspetores da ONU ganhou destaque internacional. Eles vieram ao Brasil fazer um levantamento sobre a situação de nossa Justiça. Teve gente que não gostou, repudiou a intromissão. Queriam saber coisas sobre a independência de juízes, advogados e profissionais ligados à área dos direitos humanos. Tinham denúncias sobre atividades de grupos de extermínio que teriam executado até testemunhas que deveriam estar sob a proteção da Justiça. No mundo dos negócios internacionais, a situação de nossa Justiça é item que desestimula investimentos, dizem os especialistas.
Também nesta questão, o ministro Vidigal bate firme. Sugere que se pressione os congressistas e os estudiosos do Direito Processual. Não apenas para acabar com a lentidão dos processos (essa “cultura do recurso” que vicia e acomoda advogados, membros do Ministério Público e magistrados), mas também para rever outras questões, como as ligadas ao segredo de Justiça, direito à informação e assemelhados ou conexos. Com exceção do respeito à privacidade e ao interesse público – defende o ministro – não há porque as demais denúncias ficarem “no mais profundo segredo”. Inclusive algumas envolvendo membros do Judiciário.
Só um detalhe: os brasileiros não merecem pena. Precisam ser respeitados.