A confirmação, pela Corte Superior da Indonésia, da condenação à pena de morte do brasileiro, flagrado tentando ingressar no território daquele país com 13,4 quilogramas de cocaína, reabre a discussão sobre a necessidade da aplicação de penas capitais nas ordenações jurídicas mundiais. Tal discussão sempre vem à tona em nosso país em dois casos: Seja quando um brasileiro é condenado à pena capital em qualquer lugar do mundo, seja quando os índices de criminalidade violenta ou organizada aumentam. Nos deparamos, nesse momento, com as duas ocorrências.
Como é sabido, a Constituição Brasileira de 1988 proíbe, salvo no caso de guerra declarada, a aplicação da pena de morte, punição que, não obstante a vedação dos diplomas internacionais de direitos humanos, ainda é aplicada em vários países do mundo.
Os defensores da pena capital apresentam, em regra, cinco argumentos para defendê-la. Primeiro: que vivemos numa democracia e, como a maioria do povo é favorável à pena de morte, esta deveria ser estabelecida no Brasil. Segundo: que essa espécie de pena seria um castigo ao indivíduo, retribuindo-lhe o mal que fez. Terceiro: que a pena de morte teria a finalidade de intimidação, isto é teria caráter de prevenção geral. Quarto: que com a pena capital o autor de um crime violento seria eliminado, prevenindo que voltasse a delinqüir. Finalmente: que a pena capital traria custos diminuídos à sociedade, em relação às outras penas.
Os defensores da pena de morte evocam, por vezes, como argumento a democracia vigente no Brasil. Dizem, esses defensores, que, por se tratar de um país democrático, deve o Brasil adotar a opinião da sua população, que é, na sua maioria, favorável à pena capital. Todavia, arrazoar a implantação da pena de morte na democracia e conceituá-la apenas como a vontade da maioria é um argumento sofismático, eivado de vícios e desonesto.
Grosso modo, democracia é o governo do povo, onde o governo acata a vontade da maioria. Porém, outro dado também deve ser agregado à soberania popular.
Um sistema político não se qualifica como democrático tão somente pelo princípio majoritário, mas também é indispensável que direitos humanos sejam respeitados, estabelecendo-se defesas instransponíveis aos direitos fundamentais das minorias. A superioridade da vontade do povo representa, sem dúvida, uma maneira eficaz de controle do poder dos governantes, entretanto, essa maioria pode converter-se no mais feroz dos despotismos, facilmente manipulável ao sabor de paixões momentâneas.
A soberania popular, que desrespeita os direitos humanos fundamentais, configura-se naquele poder de natureza tirânica, exercido em nome das mutidões, ao qual Montesquieu denominou Demagogia. Admitir que há democracia mesmo quando a maioria da população nega determinados direitos fundamentais é admitir a sua existência mesmo quando essa maioria decidir, por exemplo, ser proibido aos índios o direito à propriedade, ao ingresso em escolas, ao acesso à saúde pública, entre outros direitos fundamentais.
Por outro lado, mesmo que se imaginasse desnecessário o respeito aos direitos humanos, o argumento de que a população brasileira é, na rua maioria, favorável à pena capital, depois de devidamente analisado, não é verdadeiro.
Em pesquisa realizada com os paulistanos, no início do ano passado, o Datafolha apurou que 59% dos entrevistados são favoráveis à pena de morte. Seria, destarte, a maioria da população favorável à essa espécie de pena? Certamente não.
A opinião pública, acerca da pena de morte, baseia-se numa compreensão incompleta dos elementos a ela inerentes, podendo o resultado das pesquisas variar conforme a maneira pela qual as questões são realizadas, ou ainda, através de um melhor conhecimento dos argumentos.
O real e visível aumento da criminalidade, aliado ao sensacionalismo utilizado por alguns meios de informação em massa, resulta necessariamente na histeria da população, a qual, acreditando em um nível de violência de intensidade insuportável e irremediável, conclui que a única solução possível é a pena de morte. Contudo, uma maior reflexão sobre o assunto, esclarecendo os perigos inerentes à legalização dessa espécie de pena, acarreta em novas conclusões, diametralmente opostas àquelas tomadas em estado de emoção. Nesse sentido, algumas investigações demonstram que o posicionamento das pessoas em relação à pena capital pode mudar radicalmente depois de uma análise mais aprofundada da questão. Exemplo resulta do estudo realizado entre os habitantes de uma cidade universitária, nos Estados Unidos, onde se demonstrou que a maioria dos entrevistados pouco conhecia sobre a pena de morte e que, após receberem informações adequadas, o apoio a esta espécie de sanção diminuiu acentuadamente. Nessa pesquisa, apresentaram aos pesquisados um estudo que trazia informações sobre a pena de morte. Antes de lê-lo, 51% dos entrevistados mostraram-se favoráveis à pena capital, enquanto 29% eram contrários e 20% indecisos. Depois da leitura, o apoio à pena de morte diminuiu para 39%, a oposição subiu para 42%, enquanto os demais 20% permaneceram indecisos.
Da mesma forma, a opinião pública nacional, diante de um debate aberto e racional, seria contrária à pena capital.
Portanto, mesmo que a população brasileira, na sua maioria, fosse favorável a essa espécie de pena, fato que não se confirmaria após esclarecimentos sobre a matéria à população, o argumento da democracia para fundamentar a pena capital seria inaceitável.
O segundo argumento, utilizado pelos simpatizantes da pena capital, é a retribuição do sofrimento causado, isto é, afirmam que sendo o direito a expressão da vontade do povo, se esta for negada através de um delito, o seu agente deverá ser castigado, somente assim o delito é aniquilado, negado, expiado pelo sofrimento da pena, que dessa maneira, restabelece o direito negado. Assim, em casos onde o criminoso atentasse contra a vida, a pena aplicada seria a morte.
Tal fundamento, além de anacrônico, é intrinsecamente contraditório.
A pena, com caráter retributivo, tem berço no talião, sendo essa proposta, senão, uma regulamentação da vingança. Entretanto, a evolução da humanidade; saindo da civilização clássica, passando pelo direito ordálico da idade média, pela revolução francesa, pelas escolas penais, chegando aos dias de hoje; acarretou, em detrimento dos suplícios corporais, no aparecimento de novas justificativas éticas, políticas ou morais como fundamento para o direito de punir.
Por outro lado, a ?retribuição do mal? na pena capital é, em si mesma, contraditória. Se o objetivo nessa espécie de pena é retribuir na totalidade o crime cometido, ou seja, se com a pena capital está se buscando a expiação total do mal realizado pelo criminoso, como seria possível atingir esse objetivo nos casos em que o agente, por exemplo, tirou a vida de várias pessoas?
Por último, considerando que o Estado proíbe o homicídio, tem ele legitimidade para, retribuir, aplicando a pena capital? Não. O estado não pode se colocar no mesmo plano do indivíduo, que age por raiva, paixão, interesse, defesa. O Estado responde mediatamente, racionalmente, reflexivamente. O Estado também tem o direito de se defender, entretanto, por ser mais forte que o indivíduo, eis que detém o monopólio da força, não tem necessidade de matar em defesa própria.
Assim, a pena de morte, tendo como fundamento a retribuição do mal, não cumpre seu objetivo, na medida em que nenhuma retribuição repara a ofensa ocorrida.
O terceiro argumento trata da exemplaridade da pena capital, isto é, sustentam seus defensores que o ?perigo de morte?, seja através da determinação abstrata da lei, seja através da execução de outros criminosos, redundaria em maior reflexão daqueles que estariam na iminência de cometer crimes, afirmando que as penas, quando brandas, tratar-se-iam de ?convites? à prática delituosa.
Esse argumento é falacioso, pois a intimidação não tem o condão de atingir o fim almejado pelos defensores da pena capital. Se essa ameaça realmente fosse eficaz, ao ser realizada a primeira execução ou ainda pela determinação abstrata da lei, os índices de criminalidade reduziriam, e isso não ocorre nos países que a admitem.
Exemplos históricos autenticam tal afirmação. Na Inglaterra, no início do século passado, enquanto ladrões eram enforcados em praça pública, outros aproveitavam o fato para roubarem as residências daqueles que estavam assistindo a execução. Outro exemplo refutador vem dos Estados Unidos. Como é sabido, em 1976 a Suprema Corte daquele país reviu seu posicionamento anterior, passando a admitir, em relação ao homicídio, que os Estados-membros voltassem a incluir a pena capital no rol das sanções, sem que isso gerasse ofensa à Constituição. Tal reinserção revelou dados estatísticos que desautorizam proclamar a alegada eficácia da pena capital, pelo seu caráter intimidador. Em vários Estados, apesar da reinserção da pena de morte, o volume de homicídios aumentou, dentre eles o Texas e Louisiana que são os recordistas de execução. Noutros Estado, entretanto, como Havaí e Michigan, houve diminuição do número de homicídios, apesar de não terem optado pela adoção do suplício máximo. Tais dados corroboram a advertência de Beccaria, formulada há 240 anos, no sentido de que não é a crueldade da pena que inibe o criminoso, mas sim a crença de que ela será infalivelmente aplicada. Note-se, ainda, que as execuções eram públicas e, mesmo assim, a exemplaridade já não funcionava. Hoje funcionariam menos ainda, eis que as execuções são realizadas discretamente, ?na calada da noite?, com pouquíssimas testemunhas. Nesse mesmo sentido, não há qualquer estudo demonstrando que os países que adotam ou adotaram essa espécie de pena provocaram uma diminuição da criminalidade. Essa incapacidade da ameaça é compreensível, mesmo porque, quem comete um delito o pratica na certeza de que não será descoberto, caso contrário não o praticaria.
Noutro giro, esquecem os defensores da prevenção geral que o Brasil possui uma das legislações mais rigorosas do mundo, com sanções que chegam até trinta anos de reclusão; sem esquecer da ?pena de morte extralegal? que é bastante difundida; e tal rigor não tem poder dissuasório sobre a criminalidade.
Portanto, o caráter intimidador da pena de morte não convence.
O quarto argumento para a implantação da pena de morte se refere à prevenção específica do cometimento de novos crimes. Em outras palavras, sustentam os defensores da pena capital que, se o criminoso for executado, não poderá mais delinqüir.
De fato, executando o autor, este não poderá mais delinqüir. Entretanto, a verdade, nesse argumento, termina nessa assertiva. A inocuização não acaba com o mal. Se a proscrição; quer definitiva como a morte, quer momentânea como a pena privativa de liberdade; fosse suficiente para acabar com a criminalidade, o fato de os nossos presídios estarem superlotados teria diminuído a criminalidade, o que não corresponde com a realidade..
Por outro lado, mesmo considerando que o bem estar social apenas restará salvaguardado com o afastamento de alguns indivíduos, nunca essa segregação deverá ser a morte, pois, dessa forma, o Estado assumiria sua total incapacidade em resguardar a sociedade, motivo pelo qual foi criado, ou seja, se o Estado assumir que não consegue controlar a paz social, senão com a morte dos indivíduos que lhe atentam, estará a negar a sua própria existência.
Nessa linha de raciocínio, vem à baila a quinta sustentação daqueles que defendem à pena capital, que é a relação custo/benefício da manutenção de um criminoso incorrigível em reclusão.
Entendem que a manutenção de um réu por longos períodos no sistema penitenciário, determinados pela imposição de penas nos delitos mais graves, seria extremamente dispendiosa ao erário público e, destarte, seria mais ?econômico? sentenciá-lo à morte e executá-lo.
Esse argumento, além de torpe, é falso. Torpe porque não se deve avaliar a manutenção da vida por padrões econômicos, para, sendo considerada dispendiosa, recomendar a morte. Falso porque não se fundamente em dados objetivos, tampouco na legislação brasileira.
Calcula-se que um processo acarretador da pena capital seria muito mais dispendioso frente àquele que levaria à pena privativa de liberdade, pelo simples fato de que o caso extremo deveria estar cercado com garantias como o alto grau de especialização dos profissionais envolvidos nas investigações, a exigência de decisão fundamentada em perfeição técnica, a multiplicação de instâncias julgadora, para aumentar a margem de segurança das conclusões jurisdicionais, eis que nesses casos, principalmente, não se pode admitir erros.
Toda sentença à morte é, quanto aos seus efeitos, incorrigível. Por outro lado, todo juízo humano, individual ou coletivo, é falível, podendo errar. Se pronunciar uma penalidade reparável, as conseqüências de sua sentença podem ser corrigidas, todavia, se decretar uma pena irreparável será impossível conter ou atenuar suas conseqüências e, ocorrendo um erro judiciário, seu resultado será uma injustiça monstruosa.
Deve-se lembrar que a última execução (legalizada) ocorrida no Brasil se tratou de um erro judiciário. Em 6 de março de 1855, Manoel da Motta Coqueiro foi enforcado em Macaé (RJ). Pouco tempo depois da execução descobriu-se que ele tinha sido a inocente vítima de um terrível erro judiciário. Abalado, o imperador Pedro II, um humanista excepcional, extingue a pena capital no Brasil.
Portanto, por se tratar de uma pena que é definitiva, irreparável, sem possibilidade de corrigir injustiças, deve o processo, necessariamente, ser revestido de maiores cuidados, o que acarreta um custo muito maior.
Outra premissa falsa nesse argumento falacioso é o alto custo da manutenção do indivíduo encarcerado. Argumentam que ?o Estado não tem o dever de sustentar criminoso?. Mas por que o Estado sustenta os apenados? A legislação brasileira, por mais que se diga de maneira diferente, não é paternal. Nossa legislação determina que o recluso trabalhe, ou seja, não é seu direito trabalhar, mas obrigação, e o dinheiro arrecadado deve ser utilizado, inclusive, para o pagamento da sua ?estada? na penitenciária. Mas por que não trabalha? Porque o Estado não instrumentaliza essa norma. Se o condenado realmente trabalhasse, como determina a legislação brasileira, os custos com a sua pena seriam reduzidos, senão anulados. Portanto, não pode o criminoso pagar com a sua própria vida pela falha cometida pelo próprio Estado.
Te tudo isso, somente se pode conclui que é uma ilusão acreditar em panacéias, ditadas pelo fanatismo repressivo, como a pena de morte para diminuir a criminalidade, mesmo porque o Brasil ainda não logrou fazer com que os autores dos crimes submetidos às sanções rigorosas, já constantes da nossa legislação, fossem punidos. Isto acontece porque, na grande maioria dos casos, não se consegue sequer descobrir a identidade dos responsáveis para puni-los. Portanto, como afirmou Beccaria há 240 anos, esta impunidade, e não a pretendida brandura das nossas leis, tem sido o grande estímulo para a prática dos delitos que inquietam nossa sociedade.
Conclui-se o presente ensaio trasladando Albert Camus: ?O que é a pena capital senão o mais premeditado dos assassinatos, ao qual não pode comparar-se nenhum ato criminoso, por mais calculado que seja? Pois, para que houvesse uma equivalência, a pena de morte teria de castigar um delinqüente que tivesse avisado sua vítima da data na qual lhe infligiria uma morte horrível, e que a partir desse momento a mantivesse sob sua guarda durante meses. Tal monstro não é encontrável na vida real.?
Mário Elias Soltoski Júnior é advogado, professor universitário e mestrando em ciências jurídico-criminais na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal – soltoski@brturbo.com