?Se gritar pega ladrão, não sobra um, meu irmão!? É letra de samba bem brasileiro na forma e conteúdo, não faltando sequer o tom jocoso, a autogozação, próprios do nosso povo, acostumado a rir da desgraça, inclusive da própria. Mas, não obstante samba e não um tratado sociológico, contém um percentual de verdade que desafia as mais acuradas estatísticas. Evidentemente que ?sobra mais de um?, mas nenhum número plural que permita acreditar que, afinal, é possível fazer um despejo em regra nas nossas superlotadas penitenciárias e cadeias. Ou varrer das ruas, escritórios, gabinetes e repartições os ladrões que se defendem com a armadura da gravata e do colarinho branco, enquanto os pobres vão em cana até quando roubam um naco de pão para matar a fome. Nossa sociedade é dividida entre os que têm e os que não têm. Os que mandam e os que obedecem. Os que se servem e os que servem. Os que comem e os que passam fome. Os que furtam e roubam milhões e os que vão para o xilindró pelo escusável pecado do furto famélico.

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O presidente da Comissão de Ética da Câmara Federal cantou à sua maneira a letra do samba ao dizer que 90% dos nossos parlamentares, direta ou indiretamente, estão envolvidos em negociatas. Nem tantos. Quem sabe uns oitenta e nove por cento… Mas a referida comissão, oficialmente e, portanto, com provas fundamentadas, recomenda a abertura de processo de cassação contra nada menos de 72 parlamentares. Três são senadores; os demais, deputados.

A estarrecedora denúncia não surge como uma mera cogitação, sem exposição de nomes, por temor de injustiças, mas com tanta certeza que a lista dos indiciados saiu, nome por nome, em toda a imprensa e para conhecimento de todos os brasileiros. Os cidadãos que, armados de votos, os elegeram, sem imaginar que não usariam os poderes democráticos outorgados nas urnas e sim gazuas para arrombar os cofres e saquear o dinheiro de seus patrões, os eleitores. Esses crimes, ao contrário daqueles que os ladrões comuns praticam, são mais sofisticados. As gazuas são mecanismos mais complexos e menos visíveis. Vão do simples pôr a mão no jarro até a cobrança de propinas e venda de favores.

A relação dos ladrões que o samba da Comissão de Ética entoa inclui gente de todos os blocos. Um exame acurado da extensa relação, na qual ainda falta muita gente, aponta alguns partidos como os mais infestados. Há mais membros do Partido Liberal, do PP e do PTB, por exemplo, que do PT ou do PSDB. Isso parece um consolo, pois o Partido dos Trabalhadores é o do governo e o PSDB o principal da oposição. Mas não é consolo, pois temos de lembrar que o governo é uma salada de siglas formada por espúrias alianças sem compromissos ideológicos ou programáticos. Apenas uma associação para fazer número, negociar em conjunto, por atacado. Foram juntados pelos mensalões, troca de cargos e posições estratégicas para mais facilmente saquear o povo.

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Invoquemos, mais uma vez e infelizmente não pela derradeira, o pensamento do nosso Rui Barbosa. Ele proclamou que de tanto ver a vitória da iniqüidade, dava vergonha de ser honesto. E a gente descobre que essa turminha que está com vergonha é, cada dia mais, uma minoria minguante.