O comparecimento de José Dirceu à Comissão de Ética da Câmara dos Deputados pareceu a todos que lá estava sentado como réu. E que os deputados inquisidores, dentre eles o acusador principal Roberto Jefferson, o consideravam acusado. E o principal acusado das negociatas que tornaram Brasília, o PT, os partidos aliados e uma estranha ponte com empresas de Belo Horizonte, um fétido mar de lama, era mera testemunha. José Dirceu entrou no plenário com a cabeça erguida, senhor de si e com a empáfia que sempre o caracterizou, dizendo e repetindo que nada tinha a temer e que não vai renunciar ao seu mandato.

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Jefferson portou-se como um brilhante advogado, criminalista que é, com todas as caras e trejeitos dos grandes causídicos nos júris populares, acusando de forma convincente, com dados e detalhes, sem provas, é verdade, mas isso muitas vezes pareceu dispensável, já que citava com minúcias fatos e testemunhas. A prova testemunhal também é prova. Não parece ter conseguido amedrontar José Dirceu, o número um, até há poucos dias, do governo Lula, do PT e o homem mais poderoso do País. Aquele que, enquanto Lula andava de lá para cá, percorrendo o mundo no seu jatinho, mandava e desmandava, como articulador político, gerente dos demais ministérios e figura suprema dos petistas, que dirigiu formalmente durante seis anos e, informalmente, continuava a comandar.

Se uma enquete fosse feita, por certo o grande público consideraria que Dirceu venceu o debate, mesmo porque a sua retórica é notável. Mas Dirceu considera-se blindado. Em primeiro lugar, compareceu à Comissão de Ética como testemunha e não como acusado, embora lá só tivesse ouvido acusações e se comportado como se réu fosse.

Pouca gente percebeu, mas o ex-chefe da Casa Civil, o todo-poderoso capitão do time de Lula, mostrou a priori uma das principais peças da blindagem que usa e que lhe dá condições de tanta tranqüilidade. Foi logo dizendo que não renunciaria, nem precisará renunciar, pois se maracutaias praticou e comandou, foi como ministro de Estado, licenciado da Câmara, onde só agora reassume como deputado. Se não era deputado no exercício do mandato, como ofender o decoro parlamentar?

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Se por isso não pode ser cassado, falta falar de sua tática para defender-se de acusações que possam ser crimes e o levem a uma condenação judicial. Aí, invocou ignorância. Como os macaquinhos chineses: olhos fechados, ouvidos tapados e boca fechada. Nada vi, nada ouvi e nada falei. Ocupado em governar, já que Lula não tinha muito tempo para essa missão, não tratava de negócios e muito menos de coisas do PT. Ao partido só ia ocasionalmente e como ministro.

Culpados são os dirigentes do PT. Eles que se expliquem. Como na música de Chico Buarque, ?joga pedra? no PT, ?joga pedra na Geni?. Isso, depois de haver se refestelado, mandando e desmandando no partido (e no governo), como o misterioso homem do disco voador de Buarque que se lambuzou com a Geni para desprezá-la em seguida.

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O PT é um partido disciplinado e disciplinador, mas sua figura mais expressiva ignorava tudo o que nele se passava. E ignorava também o que se passava ao redor de si no governo. Dirceu está se preparando para, tranqüilamente, sentar e comer um bom pedaço de uma enorme pizza.