A pedofilia é, atualmente, um dos temas mais discutidos em seminários e congressos no mundo inteiro. No Brasil, não poderia ser diferente. A população é assolada, diariamente, por notícias envolvendo abusos sexuais de crianças e adolescentes. Dentre as polêmicas, questiona-se o perfil do pedófilo, seus meios de atuação, a veiculação de imagens pornográficas pela internet, a lavagem de dinheiro, o tráfico nacional e internacional de crianças e o crime organizado transnacional. Aliado a tais complexidades está o problema da legislação penal vigente em nosso País.

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Não temos, no Brasil, uma legislação específica que defina a conduta típica de pedofilia. Não há uma norma incriminadora especial, autônoma, a ser aplicada nesses casos. Uma vez constatada a prática de atos pedófilos, o operador do Direito deve valer-se das descrições de crimes diversos que se assemelhem à pedofilia ou sirvam de meio para sua prática. Podemos falar em constrangimento ilegal (art. 146 do CP), ameaça (art. 147 do CP), seqüestro e cárcere privado (art. 148 do CP), lesões corporais (art. 129 do CP) etc. Quanto aos abusos sexuais, utilizamos os dispositivos referentes aos crimes contra os costumes, como estupro e atentado violento ao pudor (art. 213 e ss. do CP). Dependendo da idade da vítima, a qual, em regra, é menor de 14 anos, pode restar configurada a presunção de violência (art. 224 do CP), o que torna a sanção mais severa. Em caráter especial, no combate à veiculação da pornografia infantil, contamos com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90), restando, ainda, as leis referentes ao Crime Organizado (Lei n.º 9.034/90) e à Lavagem de Dinheiro (Lei n.º 9.613/98), que podem ser utilizadas diante de organizações criminosas. Nem mesmo esse emaranhado de normas, porém, dá conta do problema. Por não serem tipos penais específicos aos casos, os autores dos fatos muitas vezes conseguem se furtar das acusações.

Conhecida e praticada por antigas civilizações, a pedofilia tomou dimensões gigantescas, passou a ser repudiada e, finalmente, nos dias de hoje, tornou-se um comércio extremamente lucrativo e pernicioso. É preciso atentar para a circunstância de que não estamos mais diante de autor e vítima, mas sim de uma cadeia de criminosos, em que cada um desempenha uma função, existindo, inclusive, co-autores que nem sequer se encaixam no sentido literal da palavra ?pedofilia?, vocábulo de origem grega, cujo significado é amor ou amizade por infantes.

Procurando atender aos direitos de proteção à criança contra o abuso sexual, o Brasil adaptou suas leis aos diplomas internacionais e criou o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90), que, por sua vez, nos arts. 240 e 241 incriminam as divulgações e publicações de fotografias ou imagens pornográficas, além de cenas de sexo explícito, envolvendo infantes. Alterado pela Lei n.º 10.764/2003, os dispositivos penais citados deixam de mencionar, por exemplo, a aquisição de material pornográfico, possibilitando ao consumidor pedófilo manter-se nesse lucrativo mercado de abusos. Aliás, são esses consumidores que financiam esse comércio, cujas conseqüências e lucros são incalculáveis.

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O tema está longe de ser esgotado. Até o momento, as questões têm sido suscitadas e debatidas por especialistas do mundo inteiro. No Brasil, o tema não tem sido questionado pelos especialistas no campo psicológico e penal. A Editora Revista do Advogado, contudo, acaba de lançar uma obra preciosíssima, a qual, sem ter a pretensão de dar a palavra final, suscita discussões que necessitam ser assumidas e desvendadas pelas comunidades jurídica e leiga. No campo da ação, é preciso que o Estado, por meio de uma equipe multidisciplinar, composta por legisladores, operadores do Direito, psicólogos e assistentes sociais, trate o assunto com a devida importância, visando conter o avanço dessa nova versão de pedofilia, informatizada, muito mais rápida e devastadora, criando leis eficazes e programas de prevenção e assistência às vítimas dos abusos sexuais. Não basta, entretanto, que haja leis. Elas precisam ser aplicadas. Saliente-se, por fim, que a população tem papel fundamental na prevenção do delito, pois é por meio de denúncias que os abusos chegam ao conhecimento das autoridades policiais, possibilitando o desmantelamento das redes e a punição dos criminosos.

Damásio de Jesus é promotor de Justiça aposentado, atua na ONU e é membro do Conselho Jurídico da FIESP. É também autor de inúmeras obras nas áreas Penal e Processual Penal. Presidente do Complexo Jurídico Damásio de Jesus (CJDJ), composto pela Faculdade de Direito (FDDJ); a Editora (EDJ); os Cursos Preparatórios e o Damásio Evangelista de Jesus Advogados Associados.

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