Pedagogo sem lugar

Relato pessoal do mal-estar frente à ausência de definição do papel do pedagogo na estrutura das escolas da rede pública estadual, onde o professor com qualquer formação acadêmica pode fazer parte daquilo que se denomina “equipe pedagógica”, mostra que precisamos redefinir a função do pedagogo e seu lugar na instituição escola.

Este texto não tem a pretensão acadêmica de se constituir num estudo aprofundado sobre o tema, mas simplesmente narrar minhas angústias, que acredito não serem exclusivamente minhas.

Trabalho como pedagogo há 10 anos na rede pública estadual de ensino do Paraná. Durante 4 anos exerci a função de diretor do Colégio Estadual Presidente Lamenha Lins, em Curitiba. Este “não-lugar” e a crise de identidade profissional tem se agravado após deixar o cargo.

Tenho observado que o pedagogo é um bedel moderno, combinado com a figura do bombeiro. Muitas vezes as atribuições que lhe são dadas têm a ver com o controle: registro de chegadas atrasadas, ausência de uniforme e carteirinha de identificação, fiscal da assiduidade e pontualidade do professor, o que nos remete a Foucault no Vigiar e punir. A figura do bombeiro aparece no sentido de apagar os incêndios com improvisos, adiantando aulas em virtude da falta do professor.

Quando existe um conflito entre professor e aluno, o pedagogo é chamado para dar uma solução ao problema, porque é responsável por resolver os problemas de indisciplina. Mais uma vez aparece aquele que zela pelo cumprimento da norma, ou seja, o que vigia e pune. O conceito de disciplina na escola está reduzido ao cumprimento ou não das regras. A meu modo de ver, precisamos antes entender e conceituar o termo disciplina.

Poderíamos culpar a formação acadêmica por esta deformação profissional, transferindo a culpa para as instituições de ensino que nos formam. Mas creio que seria leviandade demais transferir a responsabilidade, sem fundamentar com argumentos sólidos e convincentes e com o rigor científico que a “academia” exige, rigor este ausente na maioria das faculdades que formam pedagogos.

Refletindo a respeito do fim da instituição escola. Para que serve afinal? Será que sua finalidade não está sendo deformada diante de tantas demandas sociais, não atendidas, tais como: emprego, comida, moradia e inúmeras outras, desses que acorrem ao sistema público de ensino.

A sala de professores na hora do intervalo (recreio) é um retrato vivo da insatisfação coletiva com a profissão que escolheram, sendo lugar-comum a reclamação dos baixos salários, falta de reconhecimento por parte da sociedade e ausência de interesse genuíno em aprender da parte dos educandos: “Esses alunos não querem nada”. Em situações como esta me vem à memória a seguinte expressão: “O samba agoniza, mas não morre”, como cabível para ilustrar a situação do magistério na rede pública estadual do Paraná.

Nas reuniões de conselho de classe é muito comum a tentativa de invasão da vida privada dos discentes, agindo professores e pedagogos como juízes da moral, sob o pretexto que a escola deve “ensinar valores”.

Recentemente realizou-se um concurso público para ser preenchidas 16.397 vagas no ensino fundamental e médio e sequer uma vaga foi destinada ao pedagogo. Esta exclusão do “especialista em educação” seria uma medida do poder público para enxugar gastos com educação ou a simples constatação da não-necessidade desse profissional na escola?

Acredito que a incapacidade desse profissional de organizar-se corporativamente seria uma das causas da perda de espaço nas escolas, outra seria a subordinação passiva à direção do estabelecimento, sem lutar pelo mínimo de autonomia na esfera pedagógica.

Existe uma certa hostilidade por parte dos colegas em relação ao pedagogo, sendo comuns as expressões: “pedabobo”, “aquele que não faz nada”, “pedagogento” e uma ignorância generalizada da parte dos pais sobre sua função: pedagogo dá aula de quê? Continuando com minhas incertezas, pergunto: seria a pedagogia uma ciência?

Algumas questões aqui levantadas são conceitualmente mais aprofundadas no livro O Mito da Neutralidade Científica, de Hilton Japiassu.

Adir Simão de Souza é pedagogo do C.E. Silveira da Motta, São José dos Pinhais. E-mail: adir@servcell.com

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