Por ?interdito proibitório? entenda-se a ordem judicial com o objetivo de impedir que se faça alguma coisa ou que se pratique algum ato. Via de regra, a justificativa utilizada pelo Autor da ação é a temeridade de que o seu direito ou sua integridade patrimonial e/ou física possa ser atingida com o ato ou fato, o que cabe ser provado em juízo.
Esta ação cível geralmente é impetrada com pedido de liminar e medida cominatória, ou seja, imposição de pena pecuniária (caso os indiciados infrinjam a determinação), nos termos do art. 932 do CPC.
Observe-se que o Interdito Proibitório é uma ação preventiva, e sendo preventiva, geralmente sua base de pedir, ou seja, a motivação que a origina, é ?uma desconfiança?, ?uma suspeita?, de que algo possa ocorrer fora dos limites legais. Ora, isso, na verdade, é uma forma clara de discriminação. Ou seja, ao deferir-me uma ação por suspeitas ou desconfianças, o juiz está apegando-se a um positivismo superado, a um legalismo extremado, pois está pressupondo que aquela pessoa ou grupo de pessoas (apontadas como réus) são capazes de atos criminosos, são delinqüentes por natureza.
Ações como essa, para impedir a livre manifestação de lideranças populares descontentes com o pedágio, e que marcam dia e hora apenas para publicamente marcar sua indignação ao preço praticado nas praças de pedágio, além de serem atentatórias à liberdade de expressão (prevista na Constituição Brasileira), demonstram todo o estereótipo dos autores ou mesmo da autoridade judicial com relação às camadas populares. É a mesma coisa que alguém dizer que ?carioca é malandro?, que ?ir à favela é perigoso porque lá só tem bandido?, que ?mulher no volante o perigo é constante?, ou que o ?baiano já nasce cansado?. Não é mesmo? Estas frases são sinais de preconceito, e preconceito é crime. E quando você impede alguém de fazer alguma coisa por preconceito, isso se chama discriminação. E a discriminação também é crime.
Vejamos o que está previsto na Constituição Brasileira a respeito:
Art. 3.º, IV (Constituem objetivos fundamentais da República)… ?promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação?.
Art. 5.º, XLI (Todos são iguais perante a lei… e são garantidos a todos a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, etc., nos seguintes termos): ?a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais?.
E na questão dos crimes resultantes de discriminação e preconceito de raça ou de cor, vamos encontrar tipificação e punição por meio da 7.716, de 5/1/1989, modificada pela Lei 9.459, de 13 de maio de 1997.
Em resumo, estamos assistindo atitudes discriminatórias objetivando impedir aquilo que a CF assegura: o direito das pessoas se reunirem para mostrarem sua opinião (ou sua antipatia) sobre uma questão que consideram relevante e prejudicial aos interesses da comunidade.
Direito à liberdade
Agora, vejamos o que a Constituição Brasileira determina acerca do ?direito de liberdade?, a saber:
Art. 5.º, IV É livre a manifestação do pensamento…;
Art. 5.º, VIII Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou convicção filosófica ou política…;
Art. 5.º, XV É livre a locomoção no território nacional…;
Art. XVI Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização… O que significa a garantia de defesa dos interesses de todos, bem como assegura a publicidade dessa defesa, com a participação ativa dos envolvidos. Além disso, o ?direito de reunião? pressupõe também o direito de passeata.
Diante do que, podemos definir algumas premissas básicas:
a) A atitude das concessionárias, apegada ao legalismo reacionário que já devia estar sepultado, pretende colocar um mero dispositivo de lei ordinária acima da amplitude democrática da Constituição pátria;
b) A atitude das concessionárias implica na consagração dos interesses minoritários acima dos interesses coletivos; vale dizer, sobrepõe ao interesse social os seus circunstanciais e imediatistas interesses econômicos;
c) Uma decisão favorável ao pedido das concessionárias irá representar uma afronta aos princípios constitucionais e também ao Programa Nacional de Direitos Humanos (1996 e 2002), onde a ênfase é para o interesse social em todos os aspectos. O PNDH significa um marco na evolução dos direitos humanos no Brasil e marca um compromisso da União Federal com a população brasileira.
Esse Plano pode não ser uma lei, mas é um ?pacto moral?, que deve ser entronizado na vida nacional, inclusive nas decisões da Justiça.
Conclusão
Merece registro a observação do advogado Geraldo Sorotiuk de que é preciso que os juízes ou juízas entendam que é indispensável, quando julgam uma ação, propondo o reajuste das tarifas do pedágio e o interdito proibitório, valer-se de uma maior sensibilidade social e ousadia jurídica, procurando entender que na análise judicial de um caso como o do pedágio, não se está se decidindo o problema de um contrato individual e de uma propriedade individual, e sim de uma propriedade coletiva que foi concedida, que são as estradas. É indispensável que procurem levar em conta que o direito ao desenvolvimento reconhecido pela ONU como um direito humano, abrigado na nossa Constituição e com vasta bibliografia jurídica, se sobrepõem a um direito meramente individual.
Além da constatação de que o interdito proibitório foi um instrumento largamente usado pela ditadura militar recente e pelo setor patronal para proibir greves, impedindo o direito democrático da livre manifestação que é abrigado amplamente em nossa Constituição. Nesta matéria, aliás, cabe também a atuação imediata do MPE, que tem a competência de defender os direitos coletivos, ingressando com ações em defesa dos direitos coletivos em nome dos interesses do povo do Paraná.
Wagner R. D?Angelis é advogado.