Paz na terra

Após um ano de experiências torturantes para milhões que ainda não conseguiram ver um sinal de melhoria no padrão de vida, mesmo diante da desenvoltura dos governantes em prometer o inexeqüível, esqueçamos por momentos a inconstância dos fatos para pensar em algo que nos ponha em contato pessoal com a espiritualidade e a fé.

Nesse aspecto, é oportuno fruir as palavras do arcebispo de Chieti (Itália), Bruno Forte, renomado teólogo da atualidade, na meditação feita logo após o 11 de setembro de 2001, data do atentado às Torres Gêmeas. Para o pensador, desde então os homens estão diante do mundo fragilizado pela violência e pelo terrorismo. Diz ele que ?a consciência de navegar no mesmo barco da história e encarando os mesmos desafios é agora, para todos, incontestável?, frisando a dificuldade de tornar mais igualitária a ordem econômica e sociopolítica internacional, advertindo para a grande tentação ?de considerar o conjunto dos acontecimentos em andamento como um confronto entre o Ocidente opulento e o Terceiro Mundo ou como a contraposição entre o mundo islâmico e as outras religiões, especialmente a cristã, majoritária no Primeiro Mundo?.

Forte recomendava com propriedade a urgência de promover uma tomada de consciência coletiva para fomentar o crescimento da solidariedade entre o norte e o sul do mundo, além da ?cooperação dos crentes de todas as confissões na construção de uma paz fundada na justiça e no perdão recíproco?.

A base da plataforma do entendimento, segundo o teólogo, não seria apenas a condenação do terrorismo ou a rejeição da lógica da represália e da guerra. Seu pensamento é mais profundo: ?É preciso testemunhar juntos que todas as religiões estão empenhadas no serviço da paz e que a nenhum fiel é lícito invocar o nome de Deus para justificar qualquer ato de violência?.

Somente uma convergência universal de propósitos, asseverava, e a responsabilidade na construção dos meios de diálogo e aliança poderão estimular a ação política a perseguir o bem prioritário absoluto, a paz, e ao mesmo tempo, poderá tornar a tarefa eficaz.

E a tarefa se impõe à vista do desgaste gradativo da metáfora da sociedade globalizada, ou a ?aldeia global?, realidade já identificada pelos ideólogos de trinta anos atrás. A realidade hoje é agressiva e, para a maioria da população, um cômputo diário de perdas sociais e econômicas. As sociedades opulentas aplicaram a lei do mais forte e, em conseqüência, temos um déficit ecológico agudizado pela exploração indiscriminada das fontes naturais, sempre em prejuízo da população mais pobre.

De outra parte, tem-se como verdade que a maior potência econômica e militar do planeta tornou-se vulnerável: ?Fica claro que não são apenas os ricos e poderosos que comandam a sorte dos outros: a barca do mundo é habitada por todos, e é pela união de todos que ela poderá ser guiada para o naufrágio coletivo ou para portos comuns?. Não pode haver justiça compartilhada no crescimento estanque das ?ilhas felizes? que possam se colocar fora da gestão responsável da aldeia global.

A expansão econômica, social, cultural e política de alguns não pode excluir-se da escandalosa miséria de outros. Assim se realiza a tocante mensagem de Natal: ?Paz na terra entre os homens?.

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