Naquela que anuncia ser “a maior ofensiva internacional” já desencadeada por Brasília no combate a delitos contra a administração pública, o governo brasileiro diz ter concluído o texto de um acordo de cooperação a ser apresentado mês que vem a dezenove países com a intenção de obter informações fiscais e bancárias dos chamados paraísos fiscais. Quer, com isso, acelerar a obtenção de provas contra brasileiros envolvidos na lavagem de capitais, evasão de divisas e remessas ilegais.
Será uma espécie de pacto (denominado Acordo de Assistência Judiciária Mútua em Matéria Penal), que prevê tomada de depoimentos, fornecimento de documentos, elementos de prova, localização e identificação de pessoas e bens, execução de pedidos de busca e apreensão, imobilização e confisco de ativos. A pedido de um Estado, qualquer pessoa será – no Estado em que se encontrar – intimada a testemunhar ou entregar documentos e o país que tiver o controle dos produtos confiscados poderá transferi-los ao Brasil ou, mesmo, partilhar os depósitos de origem ilícita.
Informa-se que a divulgação do acordo, que está embasado na Convenção de Palermo, será realizada no início de julho, no Itamaraty, durante reunião dos ministros Celso Lafer, das Relações Exteriores, e Miguel Reale Júnior, da Justiça. As propostas do pacto serão apresentadas inicialmente a dezenove países, entre os quais a Suíça, Alemanha, Inglaterra, Panamá, Bahamas, Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas, Andorra, Mônaco, Hong Kong, Liechtenstein e Ilha de Jersey.
O pacto, segundo o secretário nacional de Justiça, João Benedicto de Azevedo Marques, não visa nomes, não é direcionado a ninguém em especial e seu objetivo maior é superar obstáculos burocráticos que emperram ação eficaz contra a delinqüência internacional. Afinal, estamos carecas de saber que o contrabando de armas pesadas, o tráfico de drogas e outros crimes do gênero é transnacional. Globalizado o crime, requer-se também combate global. Mas nem todos os governos cooperam. O governo da Ilha de Jersey, localizada no Canal da Mancha, desde setembro do ano passado vem ignorando pedidos de informação formulados pela Justiça brasileira sobre a suposta existência de fundos do ex-prefeito Paulo Maluf lá depositados; PC Farias foi preso em Hong Kong; o juiz Lalau amealhou fortunas em paraísos fiscais, e por aí afora.
Ótimo que o governo brasileiro se preocupe em estabelecer acordos lá fora, visando combater o crime organizado. Mas nesse mundo grande de Deus, o problema está aqui dentro, onde bandidos como Fernandinho Beira-Mar comandam o crime de dentro da cela onde estão sob a custódia do Estado, às barbas da polícia e da Justiça. A descoberta do Ministério Público e da Polícia Federal, depois de meter simples grampos nos telefones clandestinos de presidiários, de que Beira-Mar estava até negociando a compra de míssil (a arma custa cerca de 40 mil dólares e é usada para abater avião) é muito mais que um atestado contra a falência completa do Estado em sua tarefa de garantir segurança aos cidadãos. A frase segundo a qual “nem Jesus Cristo rastreia você”, para dizer quão seguro é o sistema de comunicação clandestina que o mundo do crime construiu para si em prisões com segurança máxima (quanta ironia!), indica, além de tudo, o domínio de uma tecnologia que nem o Estado conhece. E isso pode transformar as investigações internacionais pretendidas em meros passeios turísticos às custas do erário público.
