O debate sobre o sistema político brasileiro feito nos últimos vinte anos vem erroneamente sendo compreendido como a oposição entre presidencialismo e parlamentarismo, porque as propostas normalmente associadas a este são na verdade uma defesa do "semi-presidencialismo".
A avaliação foi feita, nesta quarta-feira, pelo cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ), durante a Conferência Internacional sobre Desafios e Perspectivas do Fortalecimento das Instituições Políticas Brasileiras, que acontece entre hoje e amanhã, no auditório Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados.
O evento destina-se à discussão da reforma política no país, entendida de uma forma mais ampla do que a proposta de "reforma política" atualmente debatida no Congresso.
A proposta em tramitação no Congresso é uma reforma basicamente eleitoral e influi sobre regras para coligação entre partidos, formação de listas nas eleições proporcionais (como as de deputados e vereadores), financiamento de campanhas e limites de desempenho mínimo para os partidos terem direitos no Parlamento ( a chamada cláusula de barreira).
Amorim explica que a diferença entre o semi-presidencialismo e o parlamentarismo se dá no fato de que o presidente continua sendo eleito democraticamente no primeiro sistema.
Assim, convivem o presidente eleito pelo povo e o primeiro-ministro eleito pelo Parlamento, num regime de "diarquia hierárquica", como explica Amorim, ou seja, um pode estar subordinado ao outro, conforme o tema e o momento político do país. Ele lembra que o debate sobre o sistema político não é prioritário atualmente, mas "tem todas as condições de sê-lo em médio prazo".
Os poderes que o presidente deixa de exercer no semi-presidencialismo são principalmente os legislativos, como o de editar Medidas Provisórias (que entram em vigor mesmo antes de passar por votação no Congresso). A possibilidade de atuar em questões legislativas com prerrogativas como as MPs "gera no titular (da presidência) a tentação de agir unilateralmente".
Por outro lado, o cientista político Silvério Zebral, da Universidade Cândido Mendes, do Rio, lembra que essa mudança deixa o presidente mais liberado para cumprir funções como as ligadas à diplomacia, que têm importância crescente no mundo globalizado de hoje, segundo ele.
Segundo Amorim, desde 1986, todas as propostas de mudança no sistema político brasileiro apresentadas como parlamentaristas eram na verdade semi-presidencialistas, inspiradas principalmente nos modelos português e francês.
Ele diz ainda que tomando-se um universo de 46 países europeus, 20 são hoje semi-presidencialistas, 12 efetivamente parlamentaristas e 10 monarquias parlamentaristas ? além de outros quatro com sistemas diversos.
O cientista político lembrou ainda que o Brasil tem um histórico de mandatos presidenciais inconclusos nos últimos 50 anos relacionado às dificuldades de composição dessa coalizão. Com o semi-presidencialismo, o governo formado pelo primeiro-ministro poderia ser excluído "sem traumas", segundo Amorim, caso "não estivesse a contento". Seria uma forma de "institucionalizar a prática informal do governo de coalizão", segundo ele.
No contexto brasileiro, segundo Amorim, haveria vantagem em fazer a mudança para o semi-presidencialismo pelo fato de sermos um país em que ocorre um "presidencialismo de coalizão". "A chave é eliminarmos entraves à formação do governo de coalizão". Além da "redução drástica das responsabilidades legislativas do presidente", o semi-presidencialismo está relacionado a "partidos fortes", segundo ele, mas isso não seria uma pré-condição, e sim uma decorrência do sistema.
O evento que acontece, nesta quarta e quinta-feira, no Nereu Ramos é organizado por diversas entidades nacionais e internacionais: o Instituto Republicano Internacional (IRI), a Fundação Internacional para Assistência Eleitoral (IFES), o Centro de Estudos das Américas da Universidade Candido Mendes (CEAs/UCAM), o Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ, a Fundação Konrad Adenauer (KAS), a FAES – Fundación para el Análisis y los Estúdios Sociales, com apoio da Câmara dos Deputados, do Foro Interamericano de Partidos Políticos da Organização dos Estados Americanos (FIAPP), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Parlamento Latino-Americano ? Grupo Brasileiro (PARLATINO), a Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), o Programa Interlegis e a United States Agency – International Developlement (USAID).