Foto: Evandro Monteiro/O Estado

Muitos agressores ficam impunes por não serem denunciados.

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Cerca de 40 casos de violência sexual são registrados por mês em Curitiba e Região Metropolitana, no entanto, a falta de iniciativa das vítimas em denunciar a agressão impede as autoridades de coibir essa prática, punir os autores e desenvolver ações preventivas.

Criado em 2002 para atender clinicamente vítimas de violência sexual, o Programa Mulher de Verdade atendeu, em 2005, 495 pessoas, que o procuraram para receber atendimento médico após ter sofrido o abuso. No entanto, pouco mais da metade dessas ocorrências, 269, foram encaminhadas à Delegacia da Mulher ou ao Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítima de Crimes (Nucria), delegacias responsáveis pela investigação de tal crime.

?A nossa preocupação é dar atendimento à saúde da vítima, como a prevenção de gravidez precoce e de doenças sexualmente transmissíveis. Se a vítima for menor de 18 anos, é feita notificação obrigatória ao Conselho Tutelar, mas se for maior de idade, a decisão de prestar ou não queixa cabe exclusivamente à vítima?, explicou a médica Hedi Muraro, coordenadora do programa, que revelou que todos os médicos que atendem no programa orientam sobre a importância de se registrar a ocorrência.

Para a delegada Darli Rafael, da Delegacia da Mulher de Curitiba, o programa é fundamental, já que muitas vítimas não procuravam nenhuma ajuda e acabavam correndo riscos de saúde. ?Mas não estamos recebendo informações sobre as ocorrências, o que dificulta a identificação de autores em série, casos mais freqüentes, locais, características comuns entre as vítimas e, assim, ficamos impossibilitados de agir mais efetivamente na coibição e na prevenção desse tipo de crime?, comentou. ?Em 2005, registramos 85 ocorrências de estupro e duas de atentado violento ao pudor. Sabemos que esse número é bem maior, mas não temos os dados, não temos nem como mensurar isso?, lamentou. ?O ideal é que a vítima vá primeiro ao hospital, onde é possível até já fazer a perícia, mas depois procure a delegacia registrar o boletim de ocorrência?, reforçou Hedi Muraro.

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A delegada acredita que essa discrepância entre o número de casos atendidos por médicos e o número de ocorrências registradas na delegacia deva-se ao fato de as vítimas não denunciarem com medo de se expor ainda mais. No entanto, ela garante que não há nenhuma exposição ao registrar a ocorrência, fundamental para que a polícia possa levantar os dados e, além disso, o inquérito só é instaurado se essa for a vontade do denunciante. ?Cada mulher vítima de estupro ou atentado violento ao pudor que se omite deixa brecha para que outras mulheres venham a sofrer a mesma violência?, concluiu. 

?Não há como definir o perfil de um estuprador?

Foto: Ciciro Back/O Estado
Maria: ?Faltou algo?.
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Segundo a psicóloga Maria da Graça Padilha, não há como definir o perfil de um estuprador, mas com certeza é uma pessoa que tem um histórico problemático. ?Pode ter sido vítima de violência sexual no passado, mas isso não é uma regra. Há uma série de outros problemas que podem desencadear nesse tipo de comportamento, como agressões físicas ou psicológicas. Faltou alguma coisa importante em sua formação, mas não há como precisar o quê?.

Assim, a única maneira de se prevenir desse tipo de crime é evitar expor-se ao risco. ?A melhor prevenção é estar sempre atenta, observar se não está sendo seguida, se não tem ninguém estranho perto da porta de casa, andar, sempre que possível, acompanhada e não aceitar carona?, recomendou a delegada Darli Rafael, alertando que, nos meses do inverno, em que anoitece mais cedo, as noites são mais escuras e há menos gente nas ruas, os casos costumam aumentar.

A delegada também alerta para casos de estupros que são iniciados pela internet. ?O pessoal está se conhecendo por sites de bate-papo e, depois de algum tempo, achando que já conhecem bem a outra pessoa, marcam um encontro e acabam sofrendo violência sexual. Esses casos estão aumentando e as vítimas são tanto garotas jovens como mulheres de mais de 35 anos.? Segundo a Delegacia da Mulher, ex-maridos e até namorados também estão entre os principais agressores.

Agressor geralmente é conhecido da criança

Foto: Evandro Monteiro/O Estado

Ana Cláudia (à direita) diz que a ludoterapia é um artifício usado.

De acordo com as estatísticas do Programa Mulher de Verdade, em 62,24% dos casos atendidos as vítimas eram menores de idade e, de acordo com o Nucria, na maioria das vezes o agressor é uma pessoa conhecida da criança, geralmente membro da família. E o pai ou padrasto é o principal agressor.

Para a psicóloga Maria da Graça Padilha, isso é reflexo da permissividade da sociedade brasileira. ?Ainda há muitas famílias que mantêm a estrutura patriarcal, em que o pai pensa que pode fazer o que quiser com seus filhos, inclusive usá-los para satisfação sexual?, avaliou. Outro problema levantado pela psicóloga é o fato de muitas vezes a criança não ser levada a sério. ?Há casos em que a criança conta estar sofrendo algum tipo de abuso, mas como o agressor não usa de violência, não deixa provas, a mãe não acredita, ou não quer acreditar. Ao acreditar, corre-se o risco de desagregar a família?, comentou.

E a psicologia é a arma do Nucria para tentar identificar crianças vítimas de violência sexual sem as constranger. ?A criança não é ouvida em cartório, é em algumas sessões com a psicóloga, através da ludoterapia, que identificamos os casos?, explicou a delegada Ana Cláudia Machado. ?Com historinhas, brincadeiras, deixamos a criança à vontade, fazemos ela se sentir acolhida, enquanto isso vamos observando o comportamento dela, como ela manipula os brinquedos e, em algumas sessões, ela conta seu segredo para nós?, disse Ana Paula Dagostin, psicóloga e investigadora de polícia, que revelou que, em alguns casos, a criança chega a imitar o ato sexual com as bonecas.

Traumas causados são imprevisíveis

São imprevisíveis os traumas que uma vítima de violência sexual pode vir a sofrer. Por isso, o acompanhamento psicológico é fundamental tanto para a criança quanto para a mulher adulta.

?A criança pode se tornar agressiva ou passiva demais, pode passar a viver em constante insegurança, expondo-se a situações de risco. Sem terapia, é grande o risco de ela se revitimizar?, disse Ana Paula Dagostin, explicando que no próprio Nucria é feito um trabalho psicológico para desenvolver na criança o conhecimento corporal, respeito ao corpo, confiança nos pais, habilidades sociais para aprender a se proteger e fazer leitura do ambiente afim de evitar locais de risco.

Para Maria da Graça, a primeira missão da terapia é tirar da pessoa o sentimento de culpa. ?Muitos dizem que foi a vítima que provocou o estupro, seja pelas roupas que vestia ou pelo jeito de andar. E, às vezes, a mulher passa a acreditar nisso, sente-se parte da coisa, passa a achar que mereceu ser violentada. Isso não é verdade, ela é a vítima, nada justifica uma violência dessas.?

Outra conseqüência psicológica comum em vítimas desse crime é o transtorno do estresse pós-traumático, ?em que a pessoa fica revivendo o que passou, as cenas não saem de sua lembrança, ela sonha com o que aconteceu e ela acaba ficando nervosa por qualquer motivo?. Ela explicou que é comum ainda a vítima apresentar seqüelas na sua vida sexual. ?Em muitas situações, a pessoa se recolhe, fica com medo de se relacionar.?

Mas a grande preocupação da psicóloga é com as vítimas que não passaram por acompanhamento psicológico. ?Conheço vários casos em que a pessoa foi vítima de violência sexual na infância, não deu muita importância para isso, mas, depois de adulta, descobre que essa é a origem de vários de seus problemas atuais, como comportamento delinqüente, mau relacionamento com a família, dificuldade em proteger os próprios filhos.? Para ela, nesses casos, há um risco grande de a violência se repetir de geração para geração.

Programa previne conseqüências

Criado em 2002 pela Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, com o apoio do Ministério da Saúde, o Programa Mulher de Verdade tem o objetivo de prover atendimento médico às vítimas de violência sexual. Prevenção da gravidez indesejada e da aids e demais doenças sexualmente transmissíveis são as principais preocupações do programa.

?A vítima deve procurar, o quanto antes, um de nossos hospitais de referência (Pequeno Príncipe, para crianças, Hospital de Clínicas e Evangélico), onde de imediato receberá a anticoncepção de emergência (pílula do dia seguinte), uma série de antibióticos para combater doenças venérias e três medicamentos para prevenir a aids?, informou a coordenadora do programa, Hedi Muraro.

A médica salientou que é fundamental procurar o hospital em até 72 horas depois da ocorrência. Depois desse prazo, a vítima deverá procurar uma unidade básica de saúde, onde o médico recomendará uma série de exames e, de acordo com seus resultados, conduzirá o tratamento.

?O hospital deve ser o primeiro lugar a ser procurado pela vítima de violência sexual. Evitar doenças e a gravidez já trazem um grande conforto à mulher, além disso, o perito do Instituto Médico-Legal vem até aqui, evitando mais um constrangimento à vítima?, destacou a médica, lembrando que a vítima ainda é acompanhada por seis meses e que, apesar do nome, o projeto também atende homens.