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Nas dez vilas da grande favela em |
Uma grande favela com uma população de 180 mil habitantes, com mais de dez vilas, formam a localidade de Alto Maracanã, em Colombo. Calcula-se que 90% das pessoas que residem na região vivem na miséria e sobrevivem no meio da guerra do tráfico, que pedem mais segurança e polícia no bairro.
Apesar de já estarem acostumadas com os tiros a qualquer hora do dia e os corpos estendidos no chão, o povo continua sonhando com a paz. A violência é comum até mesmo para as crianças pequenas. Cada corpo furado de balas e esticado no chão parece mais uma atração, já que todos saem de casa para ver o que o aconteceu. Na verdade, todos sabem quem foi o assassino e porque aquela vítima está ali, mais ninguém se atreve a contar, temendo ser a próxima vítima. "Morre porque deve", explica um garotinho de 13 anos, que nasceu na Vila Zumbi dos Palmares, em Colombo, uma das maiores favelas que cercam Curitiba. "Mas morre inocente também", completa outro menino de apenas 9 anos, que apesar da idade, ainda está na 1.ª série do ensino fundamental e mal sabe escrever o nome.
Apesar de o Alto Maracanã ser apenas uma localidade, onde a população ultrapassa a de muitos municípios do Paraná, a única delegacia não tem infra-estrutura para combater os crimes, que proliferam numa velocidade incontrolável, especialmente o tráfico de drogas e o furto de veículos, que normalmente terminam com os homicídios.
A delegacia, situada nas proximidades do Terminal Rodoviário, abriga 70 presos, a maior parte por tráfico de drogas e furto e roubo de veículos. Eles vivem em condições desumanas no xadrez com capacidade para apenas 12 detentos. Não é à toa que as notícias de fuga são comuns na DP. Para "cuidar" dos presos há oito policiais, distribuídos em quatro equipes. O quadro da delegacia se completa com um superintendente, um delegado e um escrivão. Como não há policiais suficientes, o próprio superintendente e o delegado costumam fazer as investigações, contando com a sorte, a ajuda da Polícia Militar e a colaboração da população. Apesar da deficiência humana, eles ainda conseguem prender homicidas, traficantes, ladrões e assaltantes.
Invasões viraram favelas
A maior parte das favelas começou com invasões. A mais famosa delas, a Zumbi dos Palmares, iniciou em 1990, com a reunião de algumas dezenas de famílias. Hoje são milhares de pessoas vivendo em casas mal-acabadas, ruas de chão e esgoto a céu aberto. Pouco depois, do outro lado da BR-116, outra invasão se transformou em uma favela e recebeu o nome de Vila Liberdade. As duas invasões abrigam boa parte dos traficantes da região junto com o Jardim Ana Terra. A guerra do tráfico é semelhante à do Rio de Janeiro, com olheiros, aviões e os traficantes. Enquanto a reportagem entrevistava os moradores, um garoto usando uma motoneta antiga, circulava pelo local para ver o que estava acontecendo e quem estava falando. Para contrastar, a poucos metros da Vila Zumbi está instalado um condomínio de luxo, o Alphaville Graciosa, cujos moradores observam, do alto, toda a favela.
Os moradores falam pouco sobre a Vila Zumbi dos Palmares e pedem para não serem identificados. "No dia de Natal passou um carro branco e deu tiro pra todo lado. Quatro pessoas foram atingidas. Por pouco não fui também. Acho que não era a hora", diz uma garota de 19 anos, que apesar da pouca idade já tem dois filhos, de 3 e 10 meses. "Aqui não tem nada de bom. É muito violento. Bom seria se tivesse mais polícia por aqui", comenta a jovem. Ela mora na Vila Zumbi dos Palmares há quase 15 anos. "Minha família se mudou para cá quando invadiram. Mas não quero isso para os meus filhos. Meu sonho é tirar meus filhos desse lugar. Aqui o risco de virar bandido é muito alto. Não tem condições de ter uma vida digna", opina a moça. "Polícia por aqui? Só quando matam", aponta uma adolescente de 15 anos. "Aqui tem o que vocês estão vendo. Muita miséria, tiros para todo o lado", relata.
A pouca infra-estrutura, ruas sem asfalto ou antipó e falta de esgoto não preocupam a população das favelas de Colombo. A maioria deles quer segurança. "O resto até dá para ir levando. O problema é segurança. Polícia por aqui só de vez em quando, ou se matam alguém", lamenta a doméstica de 29 anos, que reside no bairro há seis. "Antes eu morava na Vila Esperança (também em Colombo), mas a casa encheu de água e tive que mudar para cá", conta a mulher. Ela tem um filho de seis anos, que fica na creche em período integral para que ela possa trabalhar. "Agora, nas férias, ele fica com minha mãe. Na rua, ele só brinca se eu estiver junto. Vou cuidar dele até ficar adulto. Tenho medo que meu filho se envolva com os traficantes", diz a doméstica. Para ela, os barulhos de tiro na madrugada nem assustam mais. "Nem saio pra fora para ver."
De um lado do Alto Maracanã estão os traficantes, de outro os ladrões de carros, que se situam nos bairros Guaraituba, Monte Castelo e proximidades. Esses marginais, boa parte menor de idade, vêm todos os dias até Curitiba buscar carros para depenar no Alto Maracanã. Em média, são levados de dois a três carros diariamente. Depois esses veículos são encontrados queimados às margens das ruas ou em matagais, que se transformam em verdadeiros "cemitérios". O corredor principal dos marginais é a Estrada da Ribeira. Alguns dos marginais até são presos no trajeto, mas não demoram a ganhar a liberdade e retornar para o mundo do crime.
Pontos de drogas são conhecidos pelas crianças
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Crianças da região já conhecem |
Um grupo de meninos de 4 a 13 anos andava numa tarde ensolarada por uma das ruas da Vila Zumbi dos Palmares. Desprotegidos e sem nenhum adulto por perto, eles falaram com naturalidade sobre a violência. Apesar da pouca idade, eles revelam que ficam nas ruas do bairro até às 21h.
Um garotinho franzino de 9 anos, aparentando metade da idade, contou que sempre vê os garotos cheirando cola na rua. "Tem uma ponte aqui, onde tem um monte de maconheiro", conta o menino, que sonha se tornar policial quando crescer. "Quero prender todos os bandidos. Eles matam quem deve, mas matam inocente também", relata. Apesar de mal saber escrever seu nome, ele já conhece bem o mundo do crime. "Quando eu escuto tiro, me escondo".
Outro garoto de 13 anos sonha ser jogador de futebol. "Se não der, vou ser caminhoneiro. Bandido? Deus me livre!", exclama o menino, que ainda cursa a 4.ª série do ensino fundamental. "Reprovei várias vezes." Outro garotinho de 10 anos diz que não teme ser atingido por uma bala perdida. "Aqui é assim mesmo. Tem que se abaixar e tentar se esconder. Tem muito bandido por aqui."
Apesar do perigo, as crianças andam tranqüilamente pelas ruas. Muitas delas já tomam conta dos irmãos menores, para os pais poderem trabalhar. O garotinho de 9 anos cuidava de um irmãozinho de 4. "Ele não vai para a escola ainda. Então fica comigo", explica. "Quando matam gente, eu vou ver, mas tenho que ficar quietinho", ensina o menino, que desde pequeno já aprendeu a "lei do silêncio".