O abandono e a violência doméstica por parte dos pais e responsáveis são os principais motivos que levam crianças e adolescentes a serem encaminhados a abrigos no Paraná. Essas são apenas algumas das constatações que fazem parte de um levantamento realizado pelo Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Paraná (Cedca) em 2005. A pesquisa foi feita com dirigentes de 285 abrigos do Estado e também com 382 crianças e adolescentes que vivem nesses locais.
Os dirigentes disseram, em sua maioria, que o abandono seria o fator determinante. Já as crianças e os adolescentes relataram que a violência dos pais as levou aos abrigos.
Uma outra pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2003 apontou que a pobreza é um dos principais motivos que levam ao abrigamento, dessa vez no âmbito nacional. Essa pesquisa foi feita com 589 instituições.
A constatação entra em conflito com o que o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente diz. Em seu artigo 23, o estatuto diz que ?a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder?. Na opinião da juíza da 1.ª Vara da Infância e Juventude de Curitiba, Lídia Munhoz Guedes, a realidade na capital paranaense é grave. Segundo ela, a negligência dos pais é que leva à retirada do pátrio poder de seus filhos, e não apenas a pobreza em si.
?A falta de afetividade, de cuidados, é o mais freqüente. Aqui (na Vara de Infância) nós vemos muito bem a diferença da família que não quer perder a criança e de quem não se importa com os filhos?, diz a juíza.
Quando ocorre uma situação em que os pais estão sendo negligentes, ou até mesmo quando abandonam as crianças, a Justiça procura de todas as maneiras o retorno das vítimas às suas famílias. Não obtendo sucesso, as encaminha aos abrigos e, posteriormente, à adoção.
De acordo com dados da Fundação de Ação Social (FAS), em Curitiba há cerca de 950 crianças e adolescentes abrigados. Como explica a Coordenadora de Proteção Social Especial de Alta Complexidade da FAS, Carla Cristine Braun, a Rede de Proteção da cidade tem feito um bom trabalho no sentido de discutir no bairro destas famílias os encaminhamentos mais corretos que se devem dar.
?Nós tentamos esgotar ao máximo as possibilidades de retorno à família, fazemos a geração de renda, possibilitamos o acesso aos serviços, trabalhamos o lado psicológico, entre outras coisas?, explica Carla.
Entretanto, todo o esforço, muitas vezes, parece ser em vão. Segundo a FAS, a taxa de retorno à família, em Curitiba, gira em torno de 20%. E 80% dessas crianças têm família.
?Na maioria das vezes a família não muda ou mesmo a criança acaba não querendo voltar?, afirma a juíza Lídia. Na opinião da presidente da ONG Recriar Família e Adoção, Eliana Salcedo, é preciso sempre priorizar o trabalho psicológico e social com a família da criança com políticas públicas. ?Por trás de uma criança abandonada há uma família abandonada?, afirma.
Alternativas ao problema
Em Curitiba, trabalha-se de três maneiras a partir do momento em que a família perde o pátrio poder de seus filhos: com a adoção, com o acolhimento institucional (abrigos) e, mais recentemente criou-se o programa Família Acolhedora – uma alternativa ao abrigamento. Os abrigos ainda funcionam de duas formas: acolhimento breve – no caso de uma pernoite, por exemplo – e o acolhimento continuado – no qual as crianças recebem atendimento de uma comunidade terapêutica. O acolhimento continuado é dividido em berçário (de 0 a 2 anos), casas-lares (onde abrigam-se irmãos), casas de apoio (para pré-adolescentes) e repúblicas (para adolescentes).
Além das oito unidades da FAS, a rede possui 35 ONGs parceiras. No total, há cerca de 950 crianças e adolescentes abrigados, a maior parte (71%) na faixa etária de zero a 11 anos. Dentro do item ?abandono? inclui-se outros motivos, como pais presidiários, deficientes ou dependentes químicos, internados, entre outros. Já no item ?violência domiciliar?, seja ela física o psicológica, inclui-se as crianças órfãos e cuja família tem carência econômica. Casos de abuso sexual não entram neste item. Uma terceira classificação é a das crianças de rua, que também podem ser encaminhadas a abrigos.
O professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em abrigamento e convivência familiar, Roberto da Silva, diz que o Paraná tem uma outra característica especial para explicar a questão dos abrigamentos: o movimento migratório. Segundo Silva, muitas famílias que viviam no Estado migraram para outros, como o Mato Grosso e o Mato Grosso do Sul, por exemplo, o que fez com que crianças ficassem abandonadas por aqui.