Vida na boléia: um duplo risco à saúde

Passar a vida na boléia de um caminhão e manter a saúde requer sacrifícios. Como a maioria dos caminhoneiros não tem tempo para se exercitar corretamente e poucos se preocupam com a qualidade da alimentação, o resultado são profissionais bem acima do peso, com pressão arterial elevada e problemas posturais, isso sem falar no estresse ligado aos riscos da profissão, o que aumenta a possibilidade de problemas cardíacos e, sobretudo, põe em risco a vida de quem divide a estrada com eles.

Há oito meses, a Viapar – Rodovias Integradas do Paraná S/A – concessionária responsável por 436 quilômetros de estradas paranaenses – iniciou o programa Saúde do Caminhoneiro, que busca incluir os motoristas socialmente e fazer campanha para que os caminhoneiros que trafegam na rodovia melhorem sua saúde. Agora, buscando status de pesquisa, a concessionária divulgou números preocupantes dos atendimentos que fez aos motoristas (veja quadro). A concessionária descobriu que 77% dos caminhoneiros que atendeu não praticam nenhuma atividade física e que 71% deles estão acima do peso ideal.

?Mas a descoberta mais preocupante foi que 56% dos atendidos tinham algum problema de visão. E a maioria nem desconfiava disso?, revela o coordenador do programa, Luciano Mendes. Além da tabulação da pesquisa, Mendes conta que durante as edições do programa – uma por mês, em um dos pontos de atendimento pré-determinado – também são realizadas entrevistas com os caminhoneiros, que revelam os causadores desses problemas. ?Não é muito difícil imaginar o porquê desses resultados, se levarmos em conta o estilo de vida desses motoristas. Alguns admitiram que não é raro ter que dirigir seguidamente por 16 horas seguidas para dar conta dos prazos das transportadoras?, cita o coordenador.

Vida na estrada

Os catarinenses Júlio Fernandes Neto, 55 anos, e Adriano Muniz Pinheiro, 37, afirmam que a vida na estrada não permite muitos requintes com a saúde. ?É comum ficar sem comer aguardando o caminhão ser carregado. Em algumas empresas, eles até nos proíbem de fazer isso?, relata Adriano, que é caminhoneiro profissional desde os 18 anos. Além disso, Júlio completa que na correria de chegar de um destino a outro, nem existe a preocupação em fazer exercício. ?Só se você considerar que cobrir a carreta de lona e amarrar é exercício.?

Como esclarece o coordenador do programa da Viapar, passar cordas por cima do caminhão está longe do ideal. ?Por isso fazemos conscientização para que eles mudem pequenos aspectos da sua rotina. Por exemplo, a maior parte dos problemas posturais se deve à clássica postura de andar com o braço por muito tempo para fora da janela enquanto dirige?, revela Mendes. Outro fator do cotidiano apontado pelos dois motoristas como prejudicial à qualidade de vida é o estresse, presente em diversos aspectos da ocupação. ?Quando não estamos preocupados por causa da estrada, estamos com medo de sofrer alguma violência?, diz Júlio.

A mistura de poucas horas de sono, com má alimentação (geradora de pressão alta e hipo e hiperglicemia) e a recorrência a drogas para agüentar o baque à noite é explosiva, e não só para os caminhoneiros. ?Durante as entrevistas, constatamos que muitos já se envolveram em acidentes por causa desses fatores. O pior é que não raro outros usuários das estradas acabam pagando o preço por causa disso?, diz Mendes. Mas o coordenador se diz otimista quanto ao resultado do programa. ?Muitos caminhoneiros já estão se conscientizando de que precisam de uma boa qualidade de vida para poderem seguir trabalhando. E a matemática disso é muito simples: quanto mais saúde, menos acidentes.?

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