Foto: Daniel Derevecki
Há 20 anos Tião faz a mesma rotina para conseguir sobreviver no litoral.

O despertador de Sebastião Traple, o Tião, toca todo dia às 3h da manhã e, pouco depois das 5h30, ele já está no mar. Depois de horas de trabalho, com as mãos machucadas pela atividade, ele volta para casa por volta das 13h. Tião repete essa rotina há mais de 20 anos. Com o início da safra do caranguejo, agora em dezembro, a expectativa é conseguir vender um pouco mais e juntar um dinheirinho extra para os gastos de fim de ano. Sua profissão: pescador.  

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Mas, nos últimos tempos, anda difícil pescar caranguejos, peixes ou siris no litoral paranaense. ?Há dez anos chegava a pegar 27 dúzias de siri ou 100 quilos de robalo por dia. Agora, quando se consegue pegar três quilos é uma festa?, contou o pescador Saulo Barbosa, que vive em Antonina. Já Varlei da Costa, 70 anos e pescador desde os 10, resume a situação com a frase ?tudo se acabou?. ?A vida de pescador é pegar o peixe de manhã para ter o que comer de noite?, complementou.

Para muitos pescadores, esse ?mar sem peixes? ainda é conseqüência do vazamento de 50 mil litros de óleo diesel, após o rompimento de um duto da Petrobras, em fevereiro de 2001. Um dos maiores acidentes ambientais do Paraná, atingiu o córrego Caninana, afluente do Rio Nhundiaquara, um dos principais rios da região.

Sem perspectiva de melhora na atividade que desempenharam a vida toda, algumas famílias preferiram tentar a vida em outra cidade e recomeçar do zero. Segundo os pescadores, o acidente provocou um êxodo de 2.700 pessoas de Guaraqueçaba, e de 17 mil de Paranaguá.

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Em Guaraqueçaba, a situação é ainda mais dramática. Afastada de outros tipos de atividade, a diminuição da pesca trouxe um grande impacto para a vida da população local. ?Nossos pescadores estão passando fome. Do jeito que saem de manhã para pescar, voltam, no fim do dia, sem nada?, conta o presidente da Colônia de Pescadores Z2, de Guaraqueçaba, Armindo Lopes. No início dos anos 2000, era possível voltar do mar com mais de 30 quilos de camarão por dia, segundo Lopes. Hoje, essa quantidade não chega a um quilo por dia.

Segundo o presidente da Federação das Colônias de Pescadores do Paraná, Edmir Ferreira, a redução na quantidade de animais marinhos pescados pode ter chegado a 80%. ?As baías paranaenses são berçário dos animais marinhos, que procuram lugares mais baixos para se afastar dos predadores. E é nesses locais que são agredidos por derramamentos de óleo diesel?, explicou.

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Na espera por uma indenização, que já se arrasta por seis anos, Ferreira pede agilidade. ?Os pescadores estão sendo desrespeitados. Pedimos que as pessoas que estão julgando olhem com atenção a situação dos nossos pescadores, porque é só vindo aqui para comprovar a situação?, disse.

Poluição também atrapalha a pesca

Embora o vazamento de óleo diesel tenha deixado um grande impacto ambiental na região, outros fatores podem estar contribuindo para a diminuição do número de peixes no litoral paranaense. Poluição causada pelo esgoto, por agrotóxicos, por processos erosivos e a poluição industrial alteram a quantidade e a qualidade de peixes, segundo o engenheiro ambiental e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Adalberto Passos.

?No momento em que o óleo diesel é lançado no rio, as condições de vida são afetadas. Bactérias, algas e pequenos crustáceos desaparecem da água. Com uma dinâmica forte, o rio vai tendo sua água limpa, a medida que o tempo vai passando?, explicou. Quando o óleo atinge os rios, além da água, as margens também são fortemente afetadas. ?Isso pode tirar as condições de animais e plantas de viverem nas margens?, complementou o professor. (LC)

Empresa nacional ainda responde a processos

Foto: Daniel Derevecki
Escassez de caranguejos.

O valor da multa aplicada à Petrobras pelo acidente em 2001 foi de R$ 150 milhões. De acordo com o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), a empresa foi enquadrada no artigo 41 do decreto federal n.º 3.179, que regulamenta a lei de crimes ambientais, cujo valor máximo da multa é de R$ 50 milhões. O valor da autuação triplicou porque a empresa foi considerada reincidente específica. Um ano antes, a Petrobras foi autuada pela mesma infração ambiental no vazamento de 4 milhões de litros de óleo nos Rios Barigüi e Iguaçu.

Na época do acidente, em diálogo com os pescadores, a Petrobras fez um acordo para pagar a 651 pescadores uma cesta básica e mais produtos de higiene. Pelo período de seis meses, os pescadores também receberam um salário mínimo, período definido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) como pesca imprópria. Por meio de sua assessoria de imprensa, a Petrobras informou que investiu R$ 32 milhões na recuperação da área e mais R$ 50 milhões na parte de engenharia, segurança e reforço da encosta.

Fora isso, estima-se que mais de 4 mil pescadores tenham entrado com processo individual para ressarcimentos, contra a Petrobras. Após mais de seis anos, as primeiras ações de pescadores começaram a ser julgadas em outubro pela 10.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Curitiba. Até agora, não houve nenhuma decisão definitiva. (LC)