O governo federal pretende criar juizados especiais para discussão específica de assuntos agrários. A idéia é que essas varas mediem os conflitos, evitando assim problemas de violência no campo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu ao ministro Edson Vidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que criasse uma comissão para elaborar a proposta que deveria ser levada ao congresso.

Dessa comissão fez parte o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que elaborou um projeto aprovado por sete votos a um pelo Conselho da Justiça Federal (CJF). Entretanto, a União Democrática Ruralista (UDR) já se pronunciou contrária, afirmando que irá utilizar todas as “armas” para impedir a implantação do projeto.

O presidente da UDR no Paraná e vice-presidente nacional da união, Marcos Prochet, disse que os ruralistas irão trabalhar contra a criação da Justiça Agrária no Congresso: “Somos totalmente contrários e se não conseguirmos vetá-la de maneira política, vamos entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade”, afirmou.

Prochet disse que os agricultores brasileiros não têm nada para reclamar da Justiça, que vem agindo de forma correta nas questões agrárias: “Os governadores é que não cumprem as decisões judiciais. No Paraná, por exemplo, na época do Lerner, ele tinha medo da imprensa e cumpria as decisões na base da pressão. O Requião não é suscetível a pressão alguma”, afirmou. O ruralista se disse favorável à atuação do juiz da comarca, já que ele sabe a realidade do local em questão.

Segundo Álvaro Dias, a proposta prevê a criação de varas agrárias itinerantes. Os juízes federais serão sediados nas capitais dos estados, mas quando houver conflitos, eles se deslocarão até a área disputada para avaliar a situação. Esses juízes vão julgar apenas se a área é ou não produtiva, pode ou não ser passível de reforma agrária ou tem de ser desocupada.

Os conflitos, problemas da área criminal ou indenizações que possam surgir durante a ocupação da fazenda continuam sendo objeto da Justiça Estadual. “Como a decisão sobre a reintegração de posse será feita por um juiz que não vive na cidade, isso vai evitar a pressão que existe sobre os magistrados hoje. Com as vistorias ele vai decidir sobre o que vê, não apenas pelos autos do processo”, explicou Dias.

Agilidade

Para o senador, a Justiça Agrária trará mais agilidade aos processos, assim como a presença de magistrados de fora da cidade onde há o conflito dará maior autonomia. Para ele, a UDR é contra o projeto por não conhecê-lo bem: “Eles acham que como a sede da vara ficará na capital, terão mais dificuldade para acessá-la. Mas isso não acontecerá. O pedido de reintegração pode ser feito no foro local”, contou, destacando que os juizados serão criados assim que o presidente quiser. “O tempo depende mais do presidente. Ele tem que enviar ao Congresso e pedir a agilização na votação de várias medidas provisórias que estão trancando a pauta”, completou.

Para o MST, a medida é insuficiente

A criação da Justiça Agrária não é vista com bons olhos por um dos coordenadores estaduais do Movimento do Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Para Roberto Baggio, somente esse projeto de lei é insuficiente: “A criação de uma Justiça Agrária sozinha não vai resolver o problema”, considera.

Conforme Baggio, o que é necessário é uma política estrutural de reforma agrária: “Temos que alterar os níveis de concentração das áreas, que na maioria são públicas e foram passadas para a iniciativa privada, de maneira questionável”.

Segundo Baggio, a terra tem que servir à sociedade. “É inaceitável um país ter problemas de fome e ao mesmo tempo produzir alimentos em grandes quantidades”, destacou.

Conforme o integrante do MST, é preciso que os proprietários de terra que não respeitam o meio ambiente e as questões trabalhistas sejam punidos com a perda de suas terras: “Precisamos de uma lei que puna o não cumprimento da função social da terra”.

O presidente do Movimento Nacional dos Produtores (MNP), João Bosco Leal, também é contra especificação da Justiça. Mas os argumentos utilizados por ele são bem diferentes da teoria defendida por Baggio: “O governo federal está procurando todas as maneiras possíveis para facilitar a invasão de terras”, acusou, lembrando que no Mato Grosso do Sul foi criado uma Ouvidoria Agrária, que ao invés de ajudar, só adia as decisões. “Vários órgãos, inclusive ligados aos sem terra, estão pedindo a extinção dessa ouvidoria”.

Para o presidente do MNP, o executivo está fazendo uma orquestração para detonar o Judiciário. Ele questionou a ação de governadores que não cumprem mandados de reintegração de posse: “Nesses casos têm que pôr o governador na cadeia”, sublinhou. “As pessoas não sabem a importância do campo para geração de emprego. Eu sempre brinco em palestras que faço que se o produtor não tivesse plantado a cevada, a loira que faz a propaganda da cerveja não teria emprego”, disse, ao lembrar que não existe meio urbano sem o rural. (LM)

Sem novos recursos, idéia nasce prejudicada, diz OAB

O conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Paraná (OAB-PR), Clóvis Roberto de Paula, acredita que a idéia da Justiça Agrária é até boa, mas com uma condição: que existam recursos suficientes para a sua implantação. “Caso contrário, a Justiça Agrária já nasce prejudicada”, afirmou.

Para ele, juiz de fora nunca funcionou direito. Ele lembrou inclusive que a cidade mineira de Juiz de Fora leva esse nome por experiências anteriores com varas itinerantes: “Se tiver estrutura e autoridade suficiente acho que é um bom paliativo, desde que haja vontade política”, salientou.

O advogado lembrou que nem as próprias varas federais existentes têm estrutura ideal: “Os juízes federais já estão assoberbados de serviço. Caso não aconteça a contratação de mais juízes para essas varas, isso será uma loucura”, alertou.

Ele destacou ainda que a questão agrária no Brasil é complicada, pois pessoas que não deveriam brigar por um pedaço de terra o fazem por interesses econômicos. “Eu não os chamo de sem terra, mas de só falta a terra. Falta terra, mas tem carro, casa própria, emprego etc”, ironizou, com a ressalva de que “a reforma agrária é mais do que necessária, mas sem que gente humilde, que realmente precisa de terra, seja usada como “bucha de canhão'”. (LM)

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