Desde o início da década de noventa, os conflitos no campo vêm acontecendo em todo o Brasil e os principais atores – trabalhadores rurais sem terra e grandes fazendeiros – têm visões totalmente antagônicas de como resolver esse problema. Os sem-terra querem reforma agrária e reclamam de opressão e ameaças. Já proprietários querem cumprimento da lei e reclamam de invasões e depredação de propriedades, quando há a reintegração de áreas invadidas.
Mas, se há algo em comum entre os dois grupos, é a insatisfação com a atual situação: os sem terra acreditam que muitas vezes o Ministério Público e o Judiciário são coniventes com os grandes proprietários; os fazendeiros acham que o Poder Executivo favorece os agricultores sem terra. Dados parciais do Caderno de Conflitos de 2004, uma publicação da Comissão Pastoral da Terra (CPT) que deve sair em abril, indicam que a violência no meio rural tem aumentado, principalmente na região do cerrado brasileiro.
Segundo o secretário-executivo da CPT no Paraná, Jelson Oliveira, há uma relação direta entre agronegócios e conflitos no campo. ?É por isso que em regiões de fronteira agrícola há mais violência?, afirma. Ele diz que no Paraná, a partir de 2003, a violência rural adquiriu novas características. ?Houve uma queda nos números de torturados e assassinados, mas aumentou o número de despejos. Parece que há uma tentativa de criminalizar a questão agrária?, afirma.
Conforme dados da CPT do Paraná, de 1997 a 2002, houve 44 ações de despejo do governo. Porém, nos últimos dois anos, esse número chegou à cerca de 90. ?O governo Requião entra para a história como o que mais despejou trabalhadores no campo. Isso ao mesmo tempo que se diz estar do lado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)?. disse Oliveira.
MST
Gelson Oliveira conta que a região central do Paraná é em que acontecem os conflitos mais intensos. Segundo ele, fazendeiros criam medidas de coerção e de terror contra os sem terrra. Conforme a CPT, nos últimos dois anos foram registrados 34 ameaças de morte, enquanto que nos anos de 2001 e 2002, havia sido notificado somente quatro casos.
Segundo o formador da Escola Nacional Florestan Fernandes do MST, Elemar Cezimbra, que atua na região de Guarapuava, atualmente não acontecem mais ações de despejo à noite, como acontecia no governo estadual anterior. ?Não há repressão massiva como no governo Lerner?. Segundo ele, as retiradas são negociadas.
Cezimbra afirma, porém, que fazendeiros estão bem organizados e influem em decisões do Ministério Público e no Judiciário. ?A promotoria pública tem assumido uma postura de repressão ao MST?, considera. Conforme Cezimbra, há muitas áreas griladas no Paraná, o que justificaria a ocupação. ?Pois se a terra é grilada, é pública e passível de reforma agrária?.
Em Laranjeiras do Sul, região Central do Paraná, o agricultor Ivo Gomes de Amorim conta que ficou acampado na BR-158 por quatro anos, até 2001, quando foi assentado na área conhecida como Rio do Leão. Ele diz que as 250 famílias que viviam às margens da rodovia sofriam ameaças de pistoleiros na região. Segundo ele, isso acontece ainda hoje. ?Mas os fazendeiros estão mais organizados, alguns até estão criando empresas de segurança?.
A adolescente Elisângela da Silva, 17 anos, diz que ameaças e pressão de pistoleiros são acontecimentos comuns em muitos acampamentos do movimento. Ela e sua família também ficaram quatro anos acampados, na BR-158. ?Em todos os acampamentos há histórias parecidas?, afirma.
Omissão do governo gera conflito
O presidente da União Democrática Ruralista (UDR) em Guarapuava, Humberto Sá, diz que toda a vez que há invasão, as relações entre o MST e a UDR acontecem de forma muito tensa. Ele afirma que os conflitos entre fazendeiros e sem terra só ocorrem quando as ações judiciais de reintegração não são executadas pelo governo estadual.
Sá não acredita que haja criminalização da questão agrária. Para ele, é o contrário, se o MST invade, tem de ser responsabilizado pelo que faz. ?Eles são violentos, depredam plantações e matam animais das propriedades que ocupam?.
Para o presidente da UDR no Paraná, Marcos Prochet, só há conflito quando há invasão. ?O Judiciário nos dá ganho de causa sempre. A violência acontece pela frouxidão do governo, que é ostensivamente favorável ao MST. É absurdo o governo estadual ser conivente?, afirma.
Prochet diz que não há milícias rurais, pois não há capital para a contratação. Segundo ele, o que acontece são ações com base na lei de ?desforço imediato?, que permitiria o cumprimento da função de segurança e de polícia, quando o Estado não o faz. ?Nos defendemos na mesma intensidade em que somos atacados?.
Prochet afirma também que o aumento dos despejos no Paraná se dá pela quantidade de invasões de propriedades produtivas. Segundo ele, desde 1990 até agora houve mais de 700 invasões.
Mediação
O assessor de Assuntos Fundiários da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) do Paraná, Jocler Jeferson Procópio, considera que a política do governo para a resolução de conflitos é o diálogo, pois os interesses são totalmente antagônicos. Segundo Jocler, quando há denúncias, elas são investigadas. ?Ameaças e denúncias existem dos dois lados?, diz. Em relação às críticas do MST ao Judiciário, Jocler afirma que os juízes dão pareceres técnicos, com base na lei.
Para evitar conflitos na desocupação, Jocler afirma que os sem terra são avisados previamente das ações de reintegração. Segundo ele, o governo Requião assumiu o Estado com mais de 50 áreas com reintegração de posse a ser cumprida. Além disso, existem casos complexos, como na fazenda Quatro R, em Cascavel, que está sendo ocupada por três mil pessoas. ?Quando há muita gente, o processo de desocupação é mais difícil e tem de ser feito com cuidado?, afirma. (RD)
Consenso é apenas conceitual
Existe consenso para solucionar o problema: há a necessidade de reforma agrária. Contudo, os pontos de vista de como e onde o processo deve ocorrer são divergentes.
O presidente da UDR no Paraná, Marcos Prochet, afirma que fazer reforma agrária no Paraná é imoral, porque é a terra mais cara do Brasil. Além disso, segundo ele, não há terras improdutivas. Das mais de 150 vistorias do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Prochet diz que quatro foram consideradas improdutivas. ?No Paraná, em 2,4% do território nacional, é produzido 25% dos grãos de todo o País?.
Para Prochet, o local ideal para a reforma agrária é o cerrado, que tem cerca de 96 milhões de hectares para serem cultivados, sem que haja desmatamento. Ele diz que não é preciso reforma agrária, mas de colonização agrária onde ela não existir.
Agilidade
Para o superintendente do Incra no Paraná, Celso Lisboa de Lacerda, a agilização do processo de reforma agrária contribuiria decisivamente para o fim da violência no campo.
Há 12,5 mil famílias esperando para serem assentadas no Paraná. O Incra tem como meta assentar três mil famílias por ano. Em 2004, o Incra assentou 2.720 famílias e em 2003 foram pouco mais de 160. A dificuldade em desapropriar terras em 2003 fez com que o Incra buscasse negociar a compra de propriedades.
Conforme Lacerda, o corte de quase R$ 1,6 bilhão do orçamento do Instituto para 2005 vai prejudicar a quantidade de famílias que poderão ser assentadas neste ano. ?Estamos com estimativas de conseguir assentar 1,5 mil famílias?.
Lacerda afirma que a Constituição determina que a terra precisa cumprir sua função social em três dimensões: produtiva, ambiental e trabalhista. Mas, o único ponto regulamentado é o da produtividade.
Ele diz que é preciso atualizar os critérios de produtividade, do contrário será difícil a desapropriação de terras. Segundo Lacerda, também é necessária a atualização do índice de produtividade utilizado, pois embora esteja previsto por lei, isso não acontece desde a década de 1980. (RD)