O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado há 14 anos pelos países que falam o idioma na Europa, América Latina e África, está prestes a ser colocado em prática. O tratado faz adaptações da língua, principalmente na questão dos acentos, levando em conta a sua evolução. Um dos exemplos é a retirada do trema de palavras com origem portuguesa ou aportuguesadas, como “tranqüilo”. A implantação está dependendo somente dos governos de Portugal e Cabo Verde, que já ratificaram o documento, mas ainda necessitam cumprir exigências internas.
O acordo foi assinado por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe em 1990. Em quatro anos, ele deveria entrar em vigor, mediante a ratificação de todos os membros. Mas apenas Brasil, Cabo Verde e Portugal concluíram o processo. Após duas reuniões entre os sete governos, foi aprovado um protocolo que altera a cláusula de vigência do acordo. Basta a ratificação de três participantes para que o tratado passe a valer.
A professora de Lingüística da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Teresa Cristina Wachowicz, acredita que as mudanças ortográficas não resultarão em interferências no cotidiano das pessoas, nem mesmo a longo prazo. “Na prática, pequenas publicações, dissertações e redações escolares vão continuar as mesmas”, avalia. Ela declara que o impacto será ainda menor para o Brasil, pois o acordo determinou as alterações conforme o volume de pessoas que falam a língua. O País é o mais populoso entre os participantes.
O idioma é o mesmo, mas cada nação tem uma gramática e estruturas diferentes. “A língua, como fenômeno natural, não pode ser mudada com regras. O povo vai continuar escrevendo do mesmo jeito. Os erros que a população comete não são problemas de lingüística. É um problema educacional”, afirma Teresa. Para ela, o acordo vai favorecer o mercado editorial, que vai reduzir custos com a tradução de publicações.
A professora de Português do Colégio Dom Bosco, Gláucia Cansian Lopes, explica que a quantidade de erros vai diminuir um pouco. Atualmente, muitas pessoas já escrevem sem trema ou o acento circunflexo em alguns verbos na conjugação do plural. “Como em 1990 as mudanças foram muito divulgadas, alguns já incorporaram no vocabulário. Sempre ouço na sala de aula se já não caiu o trema”, comenta. Segundo ela, o acordo não vai alterar as condições de escrita: “As regras de gramática e sintaxe não vão mudar em nada. E são justamente esses os principais erros de alunos e da população em geral. Não há relação entre a ortografia e as estruturas, como regência, concordância e análise sintática”, explica.
Globalização
Gláucia acredita que a medida seja válida pelo aspecto da globalização e da unificação dos países. “É um passo para que se dê a importância devida à terceira língua ocidental mais falada no mundo. Na escola, porém, não vai mudar muito em relação às notas dos alunos”, prevê. “Muito cuidado será necessário para não abrir precedentes para a dupla grafia. A partir do momento que entrar em vigor, será preciso impor as novas regras. É a forma mais fácil”.
As mudanças ortográficas exigirão atenção redobrada dos segmentos que lidam com a língua portuguesa diariamente, como o jornalismo. O presidente do Sindicato dos Jornalistas do Paraná, Ricardo Medeiros, expõe que os profissionais desta área vão necessitar de uma rápida adaptação, principalmente por serem transmissores da língua: “Os jornalistas precisarão se cobrar mais e prestar mais atenção na fase de transição. Muitos erros se dão pela pressa, pelo trabalho contra o relógio”, aponta.