Tragédias aéreas difíceis de esquecer

Trinta e um de outubro de 1996. Há dez anos, uma tragédia marcava o Brasil e o mundo: a aeronave Fokker 100, da TAM, caía sobre casas do bairro do Jabaquara, em São Paulo, logo após decolar do aeroporto de Congonhas. Mais de cem pessoas morreram. De lá para cá, muita coisa mudou, desde o aspecto tecnológico como de formação profissional de quem atua na área da aviação, mas o sentimento de perda das famílias continua aceso – principalmente depois da recente tragédia envolvendo a aeronave da Gol Linhas Aéreas, que resultou na morte de 154 pessoas.

Definir acontecimentos desse tipo como fatalidade, para quem viveu as conseqüências, não seria adequado. ?Dá a impressão de que poderia ser evitado?, explica Sandra Assali, presidente da Associação Brasileira de Parentes e Amigos das Vítimas de Acidentes Aéreos. Viúva de uma das vítimas do acidente da TAM, ela atua hoje no auxílio a pessoas que passam pela mesma experiência. Até a última semana ela estava em Manaus, acompanhando os familiares das vítimas do acidente da Gol nos trâmites que acompanham a fase posterior à tragédia. ?A gente fala a mesma linguagem, entendemos o que eles estão passando. Percebemos que estavam ávidos por informações e fomos auxiliá-los.?

Mas foi da dor que surgiu o que, hoje, se chama apoio. Para Sandra, o que os familiares das vítimas de dez anos atrás aprenderam foi com erros, acertos e uma enorme vontade de tornar inesquecível sua luta. ?Depois de seis meses do acidente, fundamos a associação (formada por outras viúvas daquele vôo, que era conhecido pela grande quantidade de executivos que transportava). Vimos que havia dificuldade muito grande para conseguir informações e uma família começou a localizar a outra; trocando experiências, decidimos que a pressão daria mais retorno.? Não fosse a associação, ela acredita, talvez muito pouco teriam conquistado as famílias.

Dentre os principais resultados – afora a questão de indenizações, bastante polêmica à época e que em 10% dos casos não foi resolvida até hoje – ela destaca a mudança na postura dos empresários de aviação nestes dez anos que se seguiram. ?No nosso caso, tivemos uma situação de bater de frente com a empresa. Já dessa vez, a empresa se antecipou e chamou as famílias para conversar sobre um acordo?, equipara. Na ocasião do acidente de 96, algumas pessoas acabaram assinando – ainda com tempo insuficiente para o restabelecimento do equilíbrio emocional – um documento que acordava R$ 145 mil de indenização. Recorrer, depois, não adiantaria mais. A possibilidade posterior foi entrar com ação contra a fabricante da aeronave.

No que se refere ao acesso às informações provenientes das investigações por parte da autoridade aeronáutica, porém, Sandra acha que não mudou muita coisa. ?Acho que falta recurso, preparo. Sempre têm uma postura fria, distante, uma certa arrogância para dar informações?, afirma, citando o acidente da Gol.

Desde quando surgiu, a associação já atendeu vários outros casos de acidentes aéreos. Em todos eles, procedem informando às famílias os passos que tiveram de aprender sozinhos. ?Preparamos um resumo sobre tudo o que precisam fazer, desde o inventário até a contratação de um advogado especializado em acidentes aéreos?, exemplifica. Nesta recente tragédia, outra conquista é que não há prazos para as famílias se manifestarem com relação às indenizações: a companhia teria prometido aguardar o tempo necessário para que o raciocínio não seja afetado pela falta de estabilidade emocional – o que Sandra considera uma conquista adquirida com as experiências anteriores.

?Agora temos projeto de pressionar o governo para criar um órgão independente de assistência a familiares de vítimas de acidente aéreos, para cobrar mudanças de atitudes, como o NTSB (National Transport Safety Board), nos Estados Unidos?, diz.

Cinco paranaenses no vôo 402

Na manhã daquela quinta-feira, cinco paranaenses embarcaram no vôo da ponte aérea Rio – São Paulo. Dentre eles, o empresário curitibano Hamilton Simioni, 48 anos, casado, pai de três filhos. A experiência traumática da perda para a família, de certa forma, não foi superada até hoje. É o que conta a irmã do empresário, Rosi, que toca uma madeireira na cidade, antes administrada pelo irmão. ?Ele era uma pessoa extremamente ativa, parecia um computador ambulante?, lembra.

Para ela, ainda é difícil conter a emoção vivida pela perda. ?Guardo na gaveta ao meu lado a revista?, confidencia, apontando para a edição de Veja de seis de novembro daquele ano, com a foto do empresário na capa. ?Às vezes também folheio, mas não sei nem qual o motivo de mantê-la aqui. Talvez seja porque a gente não esquece.?

A filha mais nova de Hamilton, hoje com 27 anos, prefere que seu nome e o da mãe não sejam mencionados. Vítimas de extrema exposição à época, ela acredita que os familiares sofreram conseqüências desagradáveis – no entanto, nunca mais foram procurados depois que, para a mídia, o vôo 402 caiu no esquecimento. ?Quando teve o acidente da Gol, todos nós choramos em frente à TV por sabermos o que aquelas pessoas estavam passando?, diz. Na opinião da caçula, ao comparar as duas tragédias, ficou uma lacuna para quem perdeu um ente querido naquela primeira ocasião. ?Nunca recebemos da empresa um telefonema, um sinto muito. Não os culpo por isso, mas, dessa assistência que estão recebendo agora as famílias, não tivemos nada?, afirma a jovem. ?Hoje entendemos que foi um acidente. Foi difícil, mas a família permaneceu unida.? Empresário de sucesso, Hamilton era um investidor nato. Segundo a família, gostava de aplicar principalmente em gente. ?No dia da missa chegaram crianças de várias instituições que a gente nem imaginava. Só depois a gente descobriu de onde eram e a forma que meu pai as ajudava.? Hoje, em Curitiba, existe uma instituição que leva o nome do empresário.

?Fator humano é decisivo?, avalia especialista

Mauro Martins, coordenador de duas habilitações do curso de Ciências Aeronáuticas da Universidade Tuiuti do Paraná (Manutenção de Aeronaves e Gestão de Empresa Aérea), avalia mudanças de ordem técnica e profissional no tempo que se seguiu ao acidente da TAM. Mas ele lembra que, em vista das aeronaves modernas – em que a máquina controla praticamente todo o procedimento de vôo – o fator humano é decisivo em tragédias como essa. No caso do vôo 402, as investigações apontaram que o reverso da aeronave (usado para ajudar na frenagem e ativado somente na hora do pouso) abriu sozinho, primeiramente na pista, durante a decolagem, e logo depois de alçado o vôo. ?Ainda que o manete tenha recuado automaticamente, o piloto o forçou para a frente para acelerar a turbina, por duas vezes. Ele nunca tinha sido treinado para aquela situação?, explica. A própria aeronave dava conta de seguir o procedimento correto e desativar o motor, deixando apenas a outra turbina em funcionamento – que, no caso do Fokker 100, seria suficiente para a volta à pista. ?Mas, em casos como este, não há como prever a reação.? A máxima continua atual, mas hoje a formação dos pilotos tem primado para que a familiaridade com a máquina seja maior.

Acordos não chegam ao fim

Jorge Tadeu da Silva, jornalista que morava em uma das casas atingidas pela aeronave da TAM quando do acidente em São Paulo, reclama dos trâmites que resultaram nas indenizações. Para ele, além da pressa imputada às famílias para assinar os acordos, em casos como o dele o valor recebido cobriu em apenas 60% as despesas com que teve de arcar para reconstruir sua casa e a dos pais – sem contar a necessidade em retomar a vida após o trauma.

O morador do Jabaquara não perdeu os pais por pouco, naquela manhã. ?Nos primeiros dias após o acidente houve muita pressão por parte da seguradora para que a gente aceitasse o que eles estavam propondo e o meu pai acabou assinando um valor bem inferior ao que precisamos para reconstruir tudo.?

A família recorreu e, tanto na primeira como na segunda instância, tiveram decisão favorável para receber indenização por danos morais, pelo fato de o juiz ter entendido que o momento era inapropriado para um acerto. ?A última sentença foi dada só no ano passado, mas tanto a TAM como o Unibanco (seguradora responsável) conseguiram um agravo de instrumento junto ao Superior Tribunal de Justiça para protelar o pagamento. Agora, deve levar em média dois anos para ser analisado?, estima. O caso de Jorge Tadeu é um dos nove ainda em aberto resultantes daquele acidente.

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