Na última semana, a reportagem de O Estado percorreu alguns municípios da Região Metropolitana de Curitiba para verificar como está a realidade do trabalho infantil e do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti). Em Almirante Tamandaré, são 150 crianças atendidas na área urbana, mas o programa precisa ser ampliado. Em Colombo, o Peti ainda não chegou. Por fim, em Tunas do Paraná, o programa atende 88 crianças da área rural e parece estar bem estruturado. Nos três municípios, porém, o trabalho infantil persiste.
Essa é uma realidade, ao mesmo tempo, cruel e delicada. Ao tentar encontrar a causa, pesam questões econômicas, sociais e culturais, na mesma intensidade. Ao tentar chegar ao responsável, os mesmos agentes que podem ser responsabilizados parecem ter justificativas consideráveis. Independente da pluralidade, o fato é que trabalho infantil é crime e deve ser combatido.
Para o delegado regional do trabalho no Paraná, Geraldo Serathiuk, as localidades em que o trabalho infantil persiste geralmente são as que têm baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e problemas de renda. Apesar de aspectos culturais pesarem, ele alerta: ?Seja onde for, no campo ou na cidade, na agricultura familiar ou em outra atividade, o trabalho infantil é proibido?.
Uma ferramenta eficaz na luta contra o trabalho infantil surgiu em 1996. O Peti, do governo federal, tem o objetivo de impedir que as crianças trabalhem, com oferta de atividades de contra-turno. Pelo programa, os pais recebem uma bolsa mensal para que mantenham o filho de 7 a 14 anos inserido nas atividades e longe do trabalho. De acordo com Serathiuk, o programa já mostra resultados, mas pode ser melhorado se as coordenações municipais forem melhor estruturadas.
Segundo o secretário de Estado do Emprego, Trabalho e Promoção Social, Emerson José Nerone, o Peti atinge 198 dos 399 municípios do Paraná. São mais de 47 mil crianças atendidas. A bolsa que o estado repassa aos municípios é de R$ 40 na área urbana e R$ 25 na área rural. ?A desculpa das famílias é que não têm como manter as crianças na escola. Essa bolsa vem ao encontro disso. O Peti é uma política de transferência de renda e também de obrigações, principalmente com a criação da cultura de conscientização e educação?, explica. Segundo Nerone, há um apelo constante para que os municípios apliquem o programa, ?mas muitos não têm isso como prioridade absoluta?.
Flagras na carvoaria e agricultura
Foto: Aliocha Mauricio/O Estado |
Conselho diz que implantação do Peti reduziu o problema. |
Em Tunas do Paraná, ao contrário dos outros dois municípios visitados pela reportagem, falar de trabalho infantil é bastante complicado. Muitos não admitem, alguns consideram normal e poucos afirmam abertamente que o problema existe.
Segundo o presidente do Conselho Tutelar, Nei do Nascimento, na região muitas crianças trabalhavam nas carvoarias e madeireiras, mas com a implantação do Peti o problema reduziu. ?Diminiu muito depois do Peti, mas não podemos afirmar que eles não vão voltar para lá. Criança é criança, muitas preferem ficar na carvoaria do que ir à escola?, diz.
Segundo ele, a desestrutura familiar contribui para o problema. ?O pai trabalha e a mãe tem muitos filhos. Por isso, fica em casa e acaba concordando com o que não se deve concordar. Somente a fiscalização impede esse tipo de atividade, mas é difícil pegar. Nunca termina. O que posso afirmar é que, se não tivéssemos o programa que oferece atividades culturais, de lazer, esporte e reforço escolar, estaríamos piores?, afirma.
Em Tunas, é possível encontrar muitas crianças que trabalham na agricultura desde cedo, com os pais. A equipe de O Estado também flagrou menor trabalhando em carvoaria. Ele colocava tijolos no forno e, quando nos viu, se escondeu. Um jovem de 19 anos, que não quis se identificar, trabalha atualmente em outro ramo, mas aos 15 anos trabalhou com o carvão. ?Comecei na roça quando tinha 12, 13 anos. Com 15 anos trabalhei com o carvão por um ano e meio. É perigoso. Tem que cuidar muito. A fumaça e o pó que saem do forno fazem mal até para adulto, imagine para criança. É pouco, mas sempre tem criança trabalhando no carvão?, conta.
Uma criança de 10 anos diz que não trabalha porque não pode, pois o certo é estudar. Porém, ele conhece muita gente, com a mesma idade ou até menor, que já trabalha. ?No ônibus da escola tem muito amigo que trabalha. Tem de dez, oito, sete. Os pais trabalham e os meninos vão ajudar. Alguns trabalham na carvoaria e outros carpem ou cortam vara?, diz ele.
Segundo o procurador do Trabalho, Ricardo Tadeu da Fonseca, esses casos devem ser encaminhados ao Ministério Público, pois trata-se de uma prática irregular. ?Combater isso não é algo fácil. Temos que reverter séculos de tradição. No entanto, é uma coisa de aprendizado: não pode e pronto. A criança que trabalha não pode ter um futuro melhor. O Brasil padece do vício do trabalho precoce e, para acabar com isso, é preciso um trabalho persistente com políticas públicas?, conclui.
Em Colombo, Peti está na promessa
Em Colombo, o Peti ainda não foi implantado, mas segundo a presidente do Conselho Tutelar local, Greice Bodziak, os órgãos competentes estão trabalhando por isso. ?Aqui o trabalho infantil existe, mas não em grande quantidade. O que cresce muito é o número de crianças que ficam na rua, cuidando de carro, os flanelinhas?, afirma. Principalmente no centro do município, as crianças passam horas nas calçadas, esperando algum ?trocado?. ?Para esse problema, as pessoas contribuem. Muitos dão dinheiro, R$ 0,50, e essas crianças chegam a tirar R$ 10 ou R$ 15 por dia?, explica Greice. ?Essa situação faz com que a evasão escolar, um grande problema do município, aumente. Para muitos pais, é melhor que a criança esteja na rua, ganhando dinheiro, do que fique na escola. Não há o que fazer, a não ser tentar educar as crianças e melhorar as políticas públicas?.
Crianças se prostituem na beira da rodovia
?A gente tem a situação de trabalho infantil, mas não acontece aqui. Eles moram aqui e ficam em Curitiba: são catadores de material reciclável, ficam esmolando nos sinaleiros. Aqui tem o Peti e nós tentamos fazer a inclusão de boa parte das crianças. Atendemos 150, mas não é só isso de criança que tem. Aqui somos mais de cem mil habitantes, 67% é população infanto-juvenil?, afirma a presidente do Conselho Tutelar de Almirante Tamandaré, Ana Cristina de Carvalho. Segundo ela, Tamandaré está tentando ampliar o Peti. Eles ainda não têm sede própria. ?Erradicar o trabalho infantil aqui é inviável, mas podemos amenizar se conseguirmos pelo menos um local próprio?, diz ela.
Entre as duas formas ainda muito comuns de trabalho infantil no município estão o trabalho doméstico e a prostituição infantil. ?Aqui há muitas famílias pobres, que têm muitos filhos. O que acontece é que as crianças mais velhas não podem ir para a escola porque têm que ficar com as mais novas e cuidar da casa para os pais trabalharem. Por conta da Rodovia dos Minérios, a exploração sexual infantil também é um problema no município. É muito freqüente. São crianças de até nove anos que ficam na beira da rodovia. Geralmente, estão acompanhadas por adultas. Em dias diversificados, isso acontece principalmente à noite. A situação aqui é crítica. É uma mistura de desestrutura familiar, cultura e falta de conscientização?, afirma Cristina.