O dia do trabalhador doméstico é comemorado hoje. E este ano há um motivo a festejar, pelo menos no que se refere ao trabalhado doméstico infantil. Não, o problema não foi erradicado. Entretanto, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que esse tipo de mão-de-obra caiu pela metade nos últimos onze anos, apesar de ainda trazer preocupação às autoridades.

continua após a publicidade

"É uma redução significativa, mas ainda há muito a fazer, especialmente nas ações de conscientização para quebrar a resistência cultural no Brasil", diz Renato Mendes, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entidade ligada à Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo Mendes, além das questões econômicas, a cultura do brasileiro é determinante para a manutenção desse tipo de trabalho. "No Paraná, por exemplo, o trabalho doméstico infantil está vinculado ao ser mulher da região", diz. Pelos dados do IBGE, o Paraná tem 27.422 trabalhadores infantis, entre 7 e 17 anos, e 8% trabalha nos lares. "No Nordeste, a questão é mais ligada à pobreza. Famílias sem condições de criar os filhos no interior os deixam ir para as capitais, forçando-os a trabalhar em troca de comida e moradia".

A grande questão é que, por lei, o trabalho doméstico é proibido para menores de 16 anos, pois até essa idade as crianças devem estar estudando. "O que as pessoas não percebem é que o trabalho infantil não é apenas algo contra a evolução do ser humano. O uso desse tipo de mão-de-obra promove inversão de valores", alerta Mendes, ressaltando que tudo acaba por tornar-se um ciclo vicioso. Além do problema de tirar as crianças das escolas e as submeter a trabalhos pesados, muitas acabam sofrendo abusos sexuais ou morais, sendo humilhadas. "Os casos estão diminuindo, mas ainda existem muitas crianças nessa situação. Em muitos deles, o medo de denunciar o trabalho infantil é o grande problema", ressalta a procurado do Trabalho, Margareth Matos de Carvalho.

Metas

Em 1992, a OIT introduziu no País o Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil no Brasil, que plantou a semente na busca da erradicação dessa atividade no Brasil e conquistou um aliado importante em 2001, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Social. É o Peti que recebe crianças que se desvinculam da situação de exploração e as insere na Jornada Ampliada, que prevê atividades culturais e esportivas.

continua após a publicidade

"Não cabe a nós a fiscalização, mas estamos com as portas abertas para tirar essas crianças da situação de exploração e ajudá-las a recobrar a auto-estima", diz Margarida Munguba Cardoso, coordenadora do Peti.

Informalidade atinge 77% da categoria no Paraná

continua após a publicidade

Cerca de100% dos domésticos que procuram a Delegacia Regional do Trabalho (DRT/PR) reclamam da falta de registro em carteira de trabalho e, conseqüentemente, do não-pagamento dos direitos trabalhistas. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2003, cerca de 77% dos trabalhadores domésticos do Paraná trabalhavam sem carteira assinada. Segundo o instituto, o Estado possui mais de 377 mil domésticos, sendo que 289.664 estão na informalidade. Apenas possuem o registro trabalhista cerca de 87,8 mil trabalhadores.

Já em Curitiba e Região Metropolitana, os dados do IBGE mostram que 67% dos trabalhadores domésticos são informais. Isso significa que 74.567 domésticos estão na informalidade. Segundo o IBGE, esses municípios possuem 110.731 trabalhadores domésticos em atividade. Destes, apenas 36.156 têm carteira de trabalho assinada.

Segundo o chefe da Seção de Inspeção do Trabalho (Seint), Luiz Fernando Busnardo, uma das causas para o número de trabalhadores informais ser tão expressivo é a falta de conhecimento do empregado sobre seus direitos. "Há casos de trabalhadores domésticos que vêm à delegacia perguntar se têm direito à carteira de trabalho assinada", enfatiza. Segundo ele, o número de atendimentos de empregados domésticos realizados pela DRT ainda não é muito representativo.

De aproximadamente 500 atendimentos realizados pelos auditores fiscais do Trabalho, menos de 10% representam os atendimentos destinados aos trabalhadores domésticos.

De acordo com o IBGE, o mercado de trabalhadores domésticos ainda é feminino. Do total de empregados de Curitiba e região, mais de 96% são mulheres. Enquanto as trabalhadoras domésticas são 106 mil, os homens somam um pouco mais de 4,1 mil. Os dados do instituto também mostram que o salário recebido por essa classe ainda é baixo.

Milhares de casos ainda não têm dados concretos

A procuradora do Trabalho, Margareth Matos de Carvalho, costuma ter em suas mãos vários casos referentes ao trabalho infantil, mas revela que no âmbito doméstico, em muito poucos casos existem dados concretos. A falta de um levantamento que apresente números reais e absolutos compromete o estudo do total de casos, que pode chegar a atingir milhares de crianças.

"A exploração infantil doméstica acontece dentro do lar, que é um local inviolável. E geralmente quem freqüenta a casa de uma pessoa que mantém menores trabalhando não faz a denúncia. Tudo é relevado", afirma. Quando acontece, geralmente as denúncias partem de vizinhos ou quando o caso se torna público. "Certa vez o Conselho Tutelar recebeu uma denúncia de uma criança que estava limpando um telhado. Era uma menina de 11 anos. Fomos impedidas de entrar na casa em que ela trabalhava e só conseguimos tirá-la de lá com a presença da mãe". Neste caso específico, a menor cuidava sozinha de uma casa de 300 metros quadrados em troca apenas de moradia e latas de leite para o irmãozinho mais novo.

Justamente por essa dificuldade de acesso aos casos, coibir esse tipo de trabalho é difícil. As crianças não denunciam por medo ou por pensarem, culturalmente, que têm a obrigação de ajudar a família. Como no geral não freqüentam a escola, não têm o discernimento do que é certo ou errado. Por outro lado, as pessoas que contratam essas crianças têm uma cultura arraigada e pensam que é melhor os menores de classes sociais inferiores trabalharem em troca de moradia e alimentação do que ficarem nas ruas, roubando. "As pessoas pensam que é uma solução, não um problema. Isso só poderá ser mudado com um trabalho forte de conscientização, que comece na educação e conte com a ajuda da igreja, que pode ser forte aliada para chegar a essas famílias", diz Margareth. (GR)