O barracão de reciclagem da Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Araucária (Reciclar) é o endereço de coisas que podem ser transformadas a fim de ter um segundo uso e de pessoas com um potencial enorme de transformar. É desse local que, há alguns meses, uma trabalhadora surpreendeu os funcionários da agência do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em Curitiba com uma solicitação rara: o cancelamento do Benefício Prestação Continuada para Pessoa com Deficiência para poder voltar ao serviço após se restabelecer de um câncer no útero.
Para Giane Marisa Borges, de 45 anos, a razão para de sua atitude é bem simples: “questão de consciência”. “É uma doença horrível e com um tratamento muito pesado. Não dá para recuperar a saúde e seguir vivendo desse benefício, até porque essa atitude pode estar impedindo que outra pessoa doente passe a receber esse auxílio”, explica Giane.
Ela fala com propriedade do assunto. Quando recebeu a confirmação da doença, no início de 2009, Giane não tinha qualquer direito assegurado, uma vez que não contribuía para a Previdência Social. Viúva e mãe de seis filhos, na época três moravam com ela e apenas um tinha idade para trabalhar. “Um dos meus filhos trabalhava na serralheria, mas não era suficiente. Passamos um aperto bem grande”, recorda. Foi durante as sessões de quimioterapia que ela soube do benefício assistencial no valor de um salário mínimo concedido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome e operacionalizado pelo INSS. Desse momento até o início do recebimento do auxílio, vários meses se passaram até que a assistência social do município de Araucária se sensibilizou com a condição de Giane. “Estava muito magra e fraca com todo tratamento”, conta.
Para se habilitar a esse benefício, Giane precisou levar ao INSS o documento de identidade, Cadastro de Pessoa Física (CPF), certidão de óbito do marido, comprovante de rendimentos da família e o formulário de requerimento do benefício assistencial preenchido. O auxílio começou a ser pago em maio de 2010, quase um ano após o início do tratamento do câncer. “Mesmo assim foi muito importante para eu conseguir me recuperar para o trabalho. Mas acredito que melhorei de vez quando voltei para a reciclagem”.
Recicladora vira empreendedora premiada
E o retorno de Giane veio com força total. Hoje ela é a presidente da Reciclar e teve seu profissionalismo reconhecido ao vencer a etapa paranaense do Prêmio Sebrae Mulher de Negócios, na categoria Negócios Coletivos. “Na disputa nacional ficamos em terceiro lugar”, informa.
A principal aspiração de Giane para o futuro é que seus filhos trabalhem honestamente e que o barracão da Reciclar seja ampliado. “Hoje eu e mais 40 pessoas conseguimos tirar o sustento de nossas famílias daqui. Se ampliar o espaço, outras pessoas poderão viver do próprio trabalho, ao invés de pedir ou viver de caridade”. Essas 40 pessoas reciclam mensalmente 100 toneladas de resíduos entre plásticos, papelão e vidros, em um jornada que começa às 7h30 e segue até 18h, de segunda a sexta-feira.