Não importa o espaço físico, idade, contexto, localização ou valor do imóvel. O que importa é o ?peso? e a característica de lar que cada casa tem. Somente o proprietário é quem pode traduzir em palavras, ou ao menos tentar explicar, o que isso representa. Afinal, cada casa é – com certeza – um caso.
Na região conhecida como Tranqueira, em Almirante Tamandaré, é difícil de acreditar que em uma casinha improvisada – mas equipada com cerca, portão e cadeado, campainha e até caixa de correio – próxima a duas árvores, em cima de um barranco, more alguém. Porém, é fato. Esse é o lar do catador de papel e ex-morador de rua, Wilson Sebastião da Silva, também conhecido pelo apelido de ?Profeta?. Feita com restos de madeira, mas bastante enfeitada do lado de fora – com santos, objetos carnavalescos e jornais -, Sebastião construiu esse lar com ajuda de Jackson dos Santos, 20 anos, que conheceu na rua. Ao lado da moradia de ?Profeta?, no mesmo cercado, fica o salão de festa do local. ?É pequeno, sem valor, mas é meu. É meu lar. Faço questão de enfeitar e agora vou até pintar. Para mim, ali está bom, não penso em mudar. Imagine o valor que tem aquele espaço, para quem morou durante oito anos na rua, debaixo da lona, dentro do carrinho. Quando eu conquistei aquela casa, eu ganhei mais respeito?, explica.
Na mesma vizinhança, a casa de Jackson também de longe chama atenção. Lá no alto, o espaço é verde, tem duas janelas grandes e é até decorado com um ?catavento?. Deficiente, também ex-morador de rua e ex-usuário de drogas, o que Jackson chama de ?apartamento? é um cubículo que ele mesmo construiu, com restos de madeira, eternit e outros materiais. Por dentro, os móveis resumem-se em uma cama, um sofá pequeno e um criado-mudo, onde fica o telefone. ?É bom ter um lugar para eu ficar sozinho e, às vezes, poder trazer as minhas namoradas. Eu mesmo que fiz e me sinto orgulhoso quando estou em meu apartamento. Gosto até de ficar aqui só olhando?, revela.
O lar de Jackson fica em cima do local de trabalho da travesti Marilda (Antônio dos Santos). Ela é mãe adotiva dele e lê cartas. Naquele mesmo terreno, está a casa dela. ?Eu gosto de tudo da minha casa. Cada tijolo eu ganhei me prostituindo na rua. Essa casa é o pedacinho do céu para mim. É o resultado do meu esforço na vida?, diz o travesti. Na cozinha, que também é sala, os enfeites são únicos: simples e bastante variados. Porém, a parte da casa que Marilda mais gosta é o quarto, em cuja parede está pendurado um pôster da Marilyn Monroe. ?Minha casa é o melhor lugar para mim?, completa.
Construções antigas, bem cuidadas e muito valiosas
Local onde Ana Luíza mora há mais de 40 anos guarda recordações. |
Em Curitiba, na Rua Rio Grande do Sul, bairro Água Verde, a relação de Érica Santos, 80 anos, com a própria casa é quase um romance. ?Eu amo minha casa e aqui espero ficar até o dia que Deus me chamar. É velha, mas essa casa é o meu amor. Só tenho a ela?, diz a senhora. Na mesma construção, sob o mesmo telhado, de um lado mora a senhora e do outra uma sobrinha. O que divide os dois lares é apenas uma parede. Faz mais de 34 anos que dona Érica mora lá, mas a casa – como ela diz – é muito mais antiga. Além dos móveis, o desgaste natural revela a idade do prédio. Viúva há mais de 20 anos e sem filhos, a casa é a única distração dela, que faz questão de plantar e cuidar do jardim, enfeitando-o com rosas.
No bairro Vila Izabel, na Rua Cândido Xavier, outra casa antiga. O capricho e os detalhes bem cuidados – dos lambrequins, da varanda e dos arranjos de flores – fazem crer que este é mais um ?objeto? de muita estima e valor. É isso que revela a dona da casa, Ana Luíza de Oliveira, 88, que ali mora com a cunhada Mercedes de Oliveira, 84, e a amiga Maria do Carmo. ?Faz mais de 40 anos que moro aqui. Quando comprei, esta casa estava estragada e, aos poucos fui arrumando uma coisinha e outra. Para mim, que fiquei viúva cedo e criei sozinha seis filhos, esta casa tem o valor do sacrifício da gente?, explica Ana Luíza.
Foto: Fábio Alexandre |
Ana Luíza vive na Rua Cândido Xavier com a cunhada Mercedes de Oliveira e a amiga Maria do Carmo. |
O espaço é grande: são dois pisos, com três quartos cada um. Orgulhosa do cuidado que tem com a casa, Ana Luíza mostra os cômodos e as paredes, sempre cheias de quadros, fotos e outras recordações. ?Esta parede aqui (aponta) estava vazia. Como eu guardava uma porção de folhinhas que recebia na rua, resolvi pendurá-las. Depois não tirei mais. Não apenas pelos enfeites, eu gosto muito desta casa. Meus filhos gostam e meus netos também. As festas de fim de ano são sempre aqui. Então, este lar também significa a reunião da minha família. ?Com certeza eu não vendo a minha casa por dinheiro nenhum?, afirma. Apesar de curtir todos os cantos do imóvel, ela diz que a cozinha é a parte da casa que mais gosta. (NF)