Por 3 votos a 2

STF derruba decisão de Nunes Marques e Francischini perde (de novo) mandato

Foto: Alex Ferreira/Câmara dos Deputados

Por 3 votos a 2, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou nesta terça-feira (7) a decisão do ministro Kassio Nunes Marques que havia devolvido o mandato ao deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil). Com isso, o parlamentar perde novamente a cadeira na Assembleia Legislativa do Paraná – ele havia reassumido o cargo na última segunda-feira (6), por causa da liminar de Nunes Marques, concedida na semana passada. Votaram pela manutenção da cassação os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Pela devolução do mandato votaram Kassio Nunes Marques e André Mendonça.

A decisão é importante porque firma uma jurisprudência para cassar candidatos que questionem a votação eletrônica – caso do presidente Jair Bolsonaro (PL) e de seus aliados. No ano passado, Francischini foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que o condenou por apontar fraude nas urnas eletrônicas, sem provas, no dia do primeiro turno das eleições 2018, durante uma transmissão ao vivo no Facebook. Quando faltavam 22 minutos para o término da votação, Francischini afirmou que algumas urnas haviam sido “apreendidas”, pois estavam adulteradas para impedir que os eleitores confirmassem voto em Bolsonaro.

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O TSE condenou o deputado por abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação social. No julgamento, realizado em novembro, por 6 votos a 1, a maioria dos ministros considerou que a disseminação de informações falsas comprometeu a legitimidade e normalidade do pleito, beneficiando o próprio Francischini, que concorria à reeleição.

Nunes Marques suspendeu a cassação acolhendo vários argumentos da defesa. Afirmou que em 2018, não havia no TSE uma jurisprudência consolidada que equiparasse a internet e as redes sociais aos meios de comunicação tradicionais, como rádio e televisão, cujo uso indevido pode desequilibrar a disputa. Assim, a Justiça Eleitoral não poderia aplicar um novo entendimento para punir o deputado de forma retroativa.

Além disso, não viu gravidade suficiente na live de Francischini para justificar sua cassação, como exige a lei, pois não haveria prova de que a transmissão tenha feito diferença para sua vitória – ele foi o deputado mais votado no estado, com 427.749 votos.

A decisão do ministro incomodou a maioria dos ministros do STF, especialmente os que compõem atualmente o TSE – o atual presidente da Corte Eleitoral, Edson Fachin; o vice, Alexandre de Moraes, que condenaram Francischini; e também Cármen Lúcia.

Como votaram os ministros na Segunda Turma

Primeiro a votar na sessão, Nunes Marques defendeu a manutenção de sua liminar. Reproduziu, basicamente, todos os argumentos de sua decisão da semana passada: impossibilidade de adotar um novo entendimento sobre as redes sociais de forma retroativa e falta de gravidade na transmissão para favorecer Francischini na eleição.

Segundo a votar, André Mendonça acompanhou Nunes Marques pelos mesmos motivos. Disse que em 2018 não havia uma jurisprudência consolidada sobre as redes sociais e que a live de Francischini “não teve o condão de alterar a vontade do eleitor”.

“Estamos falando de mais de 400 mil votos, um deputado que recebeu a maior votação daquele estado e que sofre, não só ele mas também os eleitores, o impacto de eventual perda de mandato. Entendo que é adequado preservar a vontade democrática dos eleitores e não se aplicar de maneira tão contundente, forte, a pena que implique perda do mandato”, disse.

Coube a Edson Fachin, terceiro a votar, abrir a divergência. Disse, em primeiro lugar, que a questão deveria ser analisada no plenário do STF, por envolver um assunto mais complexo: a possibilidade de anular totalmente os votos de um deputado cassado, o que impediria a transferência de seus votos para seu partido na eleição, acarretando a perda de mandato de outros parlamentares, eleitos pela mesma legenda.

Essa situação ocorreu no caso de Francischini, cuja cassação levou à perda do mandato de outros três deputados do antigo PSL. Fachin disse que esse entendimento, atualmente adotado pelo TSE, dificilmente será revertido – com isso, haveria risco de uma nova reviravolta no caso, o que resultaria num novo afastamento deles do mandato.

Fachin ainda afirmou que as declarações de Francischini não estão protegidas pela liberdade de expressão ou pela imunidade parlamentar, que não abrigariam afirmações falsas sobre as urnas. Disse que o deputado não fez um discurso, mas um “ataque ao sistema eletrônico de votação, ao regular andamento do processo eleitoral, ao livre exercício da soberania popular, enfim, à própria democracia”. “Tal prática viola o pressuposto básico da democracia, aquele segundo o qual há acordo sobre as regras do jogo político”, afirmou Fachin.

Lewandowski, por sua vez, não analisou a condenação em si, mas seguiu Fachin por entender que, por motivos processuais, não cabia a Nunes Marques conceder a liminar. Afirmou que o ministro só poderia suspender uma condenação do TSE, de forma monocrática, em recurso, numa situação excepcional, se a decisão contrariasse frontalmente um entendimento do STF em matéria constitucional, o que não teria ocorrido, segundo ele.

“Entendo que diante da inviabilidade processual do recurso extraordinário obstado na origem, mostra-se incabível a concessão de efeito suspensivo”, disse, ao lembrar que o recurso contra a cassação já havia sido rejeitado pelo próprio TSE.

Último a votar, Gilmar Mendes confrontou o argumento de que em 2018 a internet ainda não era considerada um meio de comunicação social pelo TSE – a lei eleitoral permite a cassação quando há uso indevido dos veículos. Para o ministro, ao menos desde 2017, já havia na Corte Eleitoral entendimento de que redes sociais poderiam ser enquadradas no conceito. Não teria ocorrido, assim, uma viragem na jurisprudência no ano passado e sua aplicação de forma retroativa, como sustentou Nunes Marques.

Mas, além disso, Gilmar Mendes disse que Francischini também foi condenado por abuso de autoridade, no caso, por mencionar seu cargo de delegado para dizer que teria ocorrido fraude na votação. “O farto acervo probatório atesta que o agente investido na função pública dedicou-se a difundir informações absurdamente falsas”, disse Gilmar Mendes.

“O discurso de ataque sistemático às urnas eletrônicas, mais notadamente no dia das eleições, não pode ser tolerado em um Estado Democrático de Direito, no qual se propugna o sufrágio universal como direito fundamental qualificado como cláusula pétrea, especialmente por um pretendente a cargo político com larga votação para deputado estadual e exercente dessa função”, afirmou depois.

Refletindo sobre os limites da liberdade de expressão, Gilmar Mendes defendeu que a democracia não deve tolerar discursos que visem a destruí-la. “Nós temos que construir a ideia de uma democracia defendente, que repugna esse tipo de ato. E acho que a Justiça Eleitoral é um bom exemplo, nesse caso.”

Julgamento de Francischini no plenário virtual foi paralisado por pedido de vista

A decisão da Segunda Turma deverá levar à perda de objeto de outra ação, que começou a ser julgada na madrugada desta terça por todos os 11 ministros do STF numa sessão virtual. Essa ação, independente, foi apresentada no sábado por Paulo Bazana (PSD-PR), um suplente de Francischini que havia assumido seu mandato e queria manter sua cassação. Ele alegou que Nunes Marques não tem competência para analisar o caso, pois o assumiu sem ser sorteado como relator.

A defesa de Francischini pediu a suspensão da cassação dentro de uma ação relatada por Nunes Marques que já estava em andamento desde novembro de 2020 e que tratava de um assunto correlato, mas distinto: a possibilidade de anulação total dos votos recebidos por um deputado cassado após a eleição. Nesses casos, outros parlamentares do mesmo partido, eleitos com o deputado, também podem perder os mandatos – isso também ocorreu com Francischini, cuja cassação implicou na destituição de outros três deputados do antigo PSL.

A ação para derrubar a decisão de Nunes Marques começou a ser analisada na madrugada desta terça (7) no plenário virtual do STF, numa sessão remota, em que os 11 ministros não travam debates orais, mas apenas inserem votos escritos no sistema eletrônico da Corte.

Após os votos de Cármen Lúcia, Edson Fachin e Alexandre de Moraes para derrubar a decisão de Nunes Marques, o ministro André Mendonça pediu vista e paralisou o julgamento. Ele justificou que o mesmo caso seria analisado na tarde desta terça, presencialmente, pelos cinco ministros da Segunda Turma do STF, composta por ele, Nunes Marques, Fachin, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Disse que havia chance de decisões conflitantes entre o plenário e a Segunda Turma e que, se o colegiado menor derrubasse a decisão, a ação do plenário perderia seu objeto.

O julgamento na Segunda Turma havia sido agendado na noite da segunda (6), poucas horas antes do início da sessão virtual que julgaria o pedido para derrubar a decisão de Nunes Marques. Como presidente da Segunda Turma, foi o próprio Marques quem agendou o julgamento. Foi uma manobra para evitar que o caso fosse analisado pelos 11 ministros e para permitir que que a discussão ocorresse presencialmente, com debates.

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