Que loucura, bicho!

Sob pressão, artista altera obra que retrata vagina em parede da rodoviária de Curitiba

Uma intervenção artística na rodoviária de Curitiba foi motivo de polêmica na última semana, e acabou por sofrer alterações a pedido de uma vereadora da cidade.

O artista convidado, Tom 14, desenhou e pintou partes da anatomia feminina nos lances de escadas do terminal de ônibus. Há os olhos, as mãos, os braços e também a vagina, retratada numa das paredes da ala interestadual. Eis o motivo da grita.

“Imaginei a rodoviária como um grande ser, em que as pessoas que passam por ali são a corrente sanguínea. É ‘a’ rodoviária, um ser feminino”, explica Tom. A intervenção faz parte da Bienal de Curitiba, cujo tema é “Luz do Mundo”.

A obra estava “ok” até que a representação da vagina ganhasse forma. “Tive liberdade para escolher o tema. Quem trabalha na rodoviária achou bonito, ninguém reclamou, mas então ‘ela’ começou a ‘tesourar’”, diz Tom. Ela é a vereadora Julieta Reis (DEM). “O boicote começou via Facebook, e chegou até o presidente da Urbs [órgão administrador do espaço]”, diz o artista.

Tom então recebeu um pedido para “arrumar” a obra. Caso contrário, diz ele, a intervenção seria apagada. No lugar da vagina, agora há uma espécie de flor.

“Alterei a obra na última sexta-feira (30) com sentimento de renovação e esperança. É uma flor agora e era uma flor antes. Dedico essa obra a qualquer pessoa que não consiga sentir o que isso representa por causa da censura”, explica o curitibano de 39 anos.

Para Tom, a política precisa de paciência e tolerância. “Não podemos ficar quietos com esse puritanismo. Muitas pessoas já morreram por não ter o direito à liberdade de expressão. Então vale a pena perguntar: até quando essas pessoas que não pensam em outras vão me representar?”

A obra completa – a mulher estilizada irá “abraçar” a rodoviária – ainda está em andamento e deve permanecer no espaço até o fim da Bienal (6 de dezembro de 2015). No túnel da rodoviária, Tom 14 criou outra obra, esta permanente.

“Local inadequado”

A vereadora Julieta Reis confirma que pediu para a administração da Urbs a intervenção na obra assim que soube do retrato da representação da genitália feminina. “Tenho conhecimento artístico e não estou falando bobagem. A obra é bem construída, mas está num espaço inadequado. Artista tem liberdade para desenhar o que quiser, mas quando se trata de um espaço público, é diferente”, argumenta a vereadora. “É a entrada e a saída da cidade, várias pessoas passam por lá todos os dias”, completa.

Julieta também associa à intervenção artística o caso da menina Raquel Genofre, de 9 anos, cujo corpo foi encontrado numa mala na rodoviária em 2008. “Ela foi estuprada. Não é todo mundo que passa por ali que vai entender aquilo como simplesmente uma proposta artística”, diz.

Questionada se a intervenção foi uma espécie de censura, Julieta nega, dizendo que “não é puritanismo de curitiboca”. “Não venham dizer que é censura. O local é que é inadequado. Se estivesse em uma galeria, tudo bem.”

“Imposição”

Marise Félix é integrante da Marcha das Mulheres, mas diz que o fato de ser professora da rede estadual e militante do movimento LGBT diz muito mais sobre ela. A respeito da intervenção na obra de arte, ela critica a falta de diálogo sobre o caso.

“Tudo que é imposto e não dialogado não é saudável. A vereadora defende a imposição, o que eu abomino”, explica Marise. Para ela, o local também não é o mais adequado, embora o pedido com cara de censura diga muito sobre o momento conservador do país. “A obra re,mete à genitália do corpo feminino e lá não era o melhor lugar para ficar, por tudo que aconteceu com a Rachel. Ao mesmo tempo, a condução do caso reflete a posição da vereadora, que não defende o direito das mulheres e não tem um nível mínimo de pensamento sobre igualdade de gênero”, argumenta.

“Pequena alteração”

Em nota, a Urbs diz que não houve avaliação do mérito das obras e que pessoas fizeram diferentes interpretações da intervenção de Tom 14:

“A Urbs está muito feliz por abrigar obras da Bienal de Curitiba. A Urbs não fez avaliação de mérito das obras. A Rodoviária recebeu figurações estilizadas do corpo humano como olhos, ouvidos, braços e mãos. Uma das obras gerou polêmica. A Urbs entendeu que essa obra procurava o empoderamento das mulheres a partir de uma figura comum em qualquer livro didático. Entretanto, outras pessoas fizeram outras interpretações. Uma vez que o artista não se sentiu incomodado nem interessado em sustentar uma polêmica que não fazia parte da concepção da obra, em discussão com ele e com a curadoria da Bienal, chegou-se à conclusão de que seria melhor fazer pequena alteração.”

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