Ditadura do relógio

Sindicatos e patrões travam “guerra” por causa de horas extras

Abuso de horas extras por parte das empresas é uma das principais reclamações dos sindicatos dos trabalhadores. Os órgãos denunciam que a prática se tornou corriqueira principalmente entre as metalúrgicas e montadoras, causando danos à produtividade e à saúde de seus funcionários. A acusação, no entanto, é contestada pelas entidades patronais.

Nos casos mais extremos, os trabalhadores são orientados a trabalhar duas horas extras permitidas diariamente durante a semana e mais seis horas aos sábados. Em algumas situações o trabalho aos sábados acontece por todo o mês, sem fins de semanas intercalados. De acordo com a Força Sindical, cerca de 70% dos 60 mil trabalhadores de Curitiba e região passam por estas situações.

“Quando é esporádico não tem problema, mas está se tornando demanda corriqueira, de segunda a segunda, por meses consecutivos. As empresas estão com demanda maior e jogam para os fornecedores atenderem de qualquer jeito”, critica o presidente da entidade no Paraná, Nelson Silva de Souza. No sábado passado a organização mobilizou 13 empresas da Cidade Industrial de Curitiba (CIC) e deve seguir com a ação nos próximos dias.

Autuações

Segundo o superintendente regional do Trabalho e Emprego, Neivo Beraldin, em 2012 foram autuados 818 casos de trabalhadores que excederam as duas horas diárias permitidas por lei. “Na jornada de trabalho é comprovado que os acidentes de trabalho acontecem justamente quando os trabalhadores ultrapassam este limite de carga horária”.

Apesar de representar maior salário no final do mês, a hora extra não é considerada opção mais adequada para atender as demandas de produção.

O presidente da Força Sindical no Paraná afirma que o ideal seria investir em contratações e no aumento dos salários.

“Temos que lutar por salários melhores e na qualificação, mas acontece o contrário: as empresas reduzem o quadro de funcionários e aumentam a carga de trabalho”, diz Souza.

Empregadores negam acusações de abusos

As entidades patronais rebatem as acusações de abuso de horas extras. O presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico do Estado do Paraná (Sindimetal), Alcino de Andrade Tigrinho, afirma que a reclamação dos trabalhadores “não é a verdade absoluta”, pois de acordo com ele, são poucas as empresas que aderem às horas extras. Ele diz que isto acontece para atender demandas pontais, porque a produção é flutuante e os custos para novas contratações são elevados.

“O regime de horas extras é bom para o funcionário e à empresa durante período curto. No primeiro momento tem boa produtividade, em seguida já começa a cair até que fica exausto. É um tiro no pé”, avalia. Ele estima que entre 20% e 25% das empresas optam pelas horas a mais na jornada de trabalho.

O vice-presidente da Fiep-PR, Carlos Walter Martins Pedro, reforça a colocação e afirma que o quadro não é observado em todo o Estado. Ele afirma que não tem identificado a prática excessiva no Paraná.

Produção

“Conforme as últimas informações do IBGE, a produção industrial caiu significativamente, o que prova a desaceleração da economia e, consequentemente, da produção industrial”, disse.

Porém, dados divulgados ontem pelo IBGE apontam que o Paraná foi um dos cinco dos 14 locais pesquisados a registrar expansão na produção industrial em maio: 4,7% em relação ao mesmo mês de 2012, impulsionado pelas altas de 16,1% na indústria automotiva e de 33,2% no setor gr&aacu,te;fico.

Aumentam os afastamentos

No primeiro trimestre deste ano a Força Sindical foi notificada do afastamento de 215 trabalhadores com problemas decorrentes do ambiente de trabalho. O número chega próximo à marca de todo o ano passado, quando 256 trabalhadores se envolveram em acidentes ou desenvolveram alguma doença laboral. Diagnósticos de lesão por esforço repetitivo e estresse são os mais comuns.

“Longas jornadas de trabalho, em especial, com alta carga de demanda física ou mental, trazem efeitos à saúde, principalmente quando associados à ausência de tempo suficiente para a recuperação do trabalhador ou para período adequado de sono repousante”, destaca a diretora de divulgação da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), Márcia Bandini.

Distúrbios

Ela explica que as atividades com grande demanda física, por exemplo, podem causar distúrbios osteomusculares. E a exigência de maior carga mental acarreta sintomas como cansaço, dificuldade de concentração e ansiedade, que podem se agravar causando distúrbios do sono, alimentares, de humor, depressão ou doenças como distúrbios digestivos, cardiovasculares e imunológicos.

Márcia orienta a necessidade de buscar equilíbrio entre a vida pessoal e profissional e destaca a adoção de hábitos saudáveis para garantir a qualidade de vida.

“Longas jornadas de trabalho são contraproducentes em longo prazo e afetam a vida social dos trabalhadores que não têm tempo para si ou para a família”, observa.

Denúncia de assédio moral

No meio do debate entre representante dos trabalhadores e empregadores, alguns funcionários incorporaram as horas extras às suas rotinas. Eles contam que a situação afeta suas vidas pessoais e profissionais, porque se dizem obrigados a trabalhar a mais.

“Estamos no limite do limite. O maior problema é que tem pressão para vir trabalhar, um assédio moral. Fica claro que se você não trabalhar a mais tem outro no seu lugar, fazendo o que você não quis fazer”, relata um funcionário da área de metalurgia que preferiu não se identificar.

Aos 46 anos de idade e há 23 em uma grande empresa de Curitiba, ele diz que vem fazendo horas extras desde o começo do ano. Sua jornada atual é de 10 horas de trabalho diárias durante a semana mais seis aos sábados.

As horas extras rendem cerca de 30% a mais no salário, dinheiro investido em equipamentos domésticos, como máquina de lavar e aparelho de televisão. Ainda assim diz que tem consciência que a renda não será permanente.

“A gente muda o estilo de gastar. Já fiz contas que passam do final do ano, mas daqui a pouco isso acaba e terei problemas para administrar meu orçamento, que já está comprometido”, constata.

Desgaste

Para outro trabalhador, que atua na área de montagem, o principal reflexo das horas a mais de trabalho é o estresse e o cansaço físico. Aos 26 anos, ele trabalha em pé e desde que aumentou o ritmo de produção, há três meses, conta que sentiu em casa os efeitos do desgaste.

“Estou com insônia, tomo remédio para dormir e calmantes. Percebo que meu corpo está muito dolorido. Tenho filha pequena, mas percebo que estou me afastando da minha família”, reclama.

Felipe Rosa
Situação afeta vida dos profissionais e famílias.
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