Tem gente que trabalha um ano em uma empresa e já se cansa. Imagina, então, ficar quase 70 anos no mesmo emprego. E adorar o que faz.
Com muita alegria e simpatia, atender clientes no balcão é a vida da dona Alice Dumch, de 76 anos. Ela trabalha em uma antiga mercearia – fundada por sua família – no bairro Mercês, em Curitiba, de segunda a segunda. Nos dias de semana, trabalha 12 horas por dia.
Entre frutas, legumes, verduras, cuques, bolos, tortas, salgados e outros produtos, dona Alice aprendeu, ensinou e cativou muitos clientes.
São gerações e gerações de famílias que fazem compras na mercearia da dona Alice. São gerações de famílias de fornecedores dos produtos do estabelecimento.
?Tem fornecedor de produtos de uma colônia que está na quarta geração. O mais importante nestes anos todos é a amizade. Os clientes se tornaram amigos?, comenta dona Alice.
Que o diga Maria Natália de Campos Leinig, cliente da mercearia há quase 30 anos. ?Venho aqui por tudo. Pela amizade, pela qualidade dos produtos, pelo tratamento, por ser perto da minha casa. A gente vê o quanto a Alice trabalha. É cansativo, mas deve ser muito prazeroso. Tem que gostar mesmo porque não é fácil?, relata.
Maria Natália conta que, quando precisa de alguma coisa fora do horário de funcionamento da mercearia, toca a campainha sem cerimônia. Dona Alice, que mora ali, atende na boa. Mas, calma: isso é só para os amigos.
Na mercearia, dona Alice chama os clientes mais antigos e assíduos pelo primeiro nome. Mesmo quem entra pela primeira vez na mercearia sente uma atmosfera diferente. É aquele tratamento que não se tem em grandes estabelecimentos de hoje em dia. É aquela balança antiga, de quase 50 anos, que lembra a infância. Ali, o impessoal é extremo.
A única barreira acaba sendo o balcão. Muita risada e muita história permeiam as compras. E, assim, a distância do balcão não existe mais. ?O balcão é quase um confessionário. Tem gente que conta coisas boas e coisas ruins. Uns se queixam, outros não. E assim vai. O balcão é o que dá vida?, garante.
É impressionante como uma pequena mercearia sobrevive em meio a tanta concorrência e ao avanço das grandes redes. É um entra e sai constante. Mas o movimento já caiu muito.
?O pequeno comércio sofre, mas dá para sobreviver. Também temos os amigos, né? Mas quem precisa pagar o aluguel da loja deve sofrer bem mais. Porque, além disso, aparecem os impostos, as contas…?, avalia dona Alice.
São 70 anos ali. E serão mais tantos, até quando não agüentar mais. ?Daqui, eu só saio para o Municipal (cemitério)?, fala, dando gargalhada, uma trabalhadora e uma mulher que dá orgulho.